domingo, 22 de dezembro de 2013
É tempo
É tempo de pedir para que ele desça do ônibus
E volte para que beba com você e te dê um abraço caloroso?
Ou é tempo de dizer "ok", "tudo bem", "siga"
Que outras nuvens tragam um tempo menos nebuloso?
É tempo de querer ser convidado
Ou esperar sentado um convite nunca antecipado?
É tempo de seguir Pablo Neruda:
"O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido"
Ou ler livros de autoajuda?
Ser mais cético, exterminar de vez o cupido
Ou andar com um pezinho de arruda à beira do ouvido?
É tempo de Aturar as desculpas
De suportar as mensagens enxutas
Contrariar o tempo que passa
Ou estraçalhar de vez a vidraça?
É tempo de sentir que 14 horas
Podem passar tão rápido quanto uma chuva de verão
Ou é tempo de dizer "não"
Mesmo quando se quis dizer "sim"?
É tempo
Enfim
É presente, é futuro ou é passado
No caso, nossos tempos não foram cruzados
Como cerveja e churrasco
Cinema e pipoca
Chave e cadeado
Como a simples e clichê rima:
Amar e ser amado
terça-feira, 27 de agosto de 2013
14 horas
Vinte
minutos à espera num ponto de ônibus. Não era por ele -- o transporte público
-- que ela aguardava, mas sim por um desconhecido que acabara de conhecer por
meio de um aplicativo que geolocaliza seus usuários. Para vencer o atraso,
matava o tempo jogando candy crush no
iPhone. Viviam em municípios diferentes, embora distantes um do outro apenas
650 metros.
“Ferrou,
minha mãe acabou de chegar em casa”, anunciou a mensagem no app da menina,
enquanto ela ainda rumava ao posto de gasolina onde se encontraria com o rapaz.
“Mas você não quer ao menos conversar num barzinho ?, propôs.
Encarando
os primeiros contratempos, trataram de adicionar seus contatos ao Whatsapp:
“Estou a caminho”, alertou ele no webchat. Ao seu lado, ela avistava casais
estacionando na praça, que observavam, com romantismo, a água jorrar de um gigantesco chafariz, além de avistar passageiros descerem e
subirem nos ônibus dos quais nunca adentrou.
“Onde
você está?”, interrogou ele. “Do outro lado da rodovia, no ponto de ônibus, em
frente ao McDonalds”, detalhou ela. “Cheguei”. Segundos antes, no entanto, ela
havia se encaminhado para a faixa de pedestre, a vinte passos dali, onde
cruzaria a rodovia em direção ao local marcado. “Cadê você?”, perguntou ele,
assim que chegou onde ela anteriormente estava. “Estou aqui, logo à frente de você”,
avisou ela, acenando com o braço esquerdo.
Ele tinha os cabelos negros tão escuros quanto seus olhos. Sua pele, cor de bronze, sem qualquer artificialidade,estava coberta por uma camisa xadrez por baixo de um blaser verde musgo. Não passava de 1,80 m e calçava botas de couro marrom nos pés tamanho 42.
Cumprimentaram-se com um aperto de mãos e um abraço acanhado. Ele logo sorriu, exibindo seus dentes grandes e alvos. Ela, naturalmente simpática, brincou com seu atraso. “Obrigado por me fazer esperar por vinte minutos...”. Sorriram.
O lugar
pré-combinado ficou para escanteio. Deixaram de ir a um açaí, para rumarem a um
bar desabitado, numa rua repleta de outros botequins.
Sentaram-se
à uma mesa de dois lugares e não discutiram no pedido. “Um Skol, por favor”,
atalhou ele. A cerveja chegou junto com petiscos gratuitos à tira-gosto.
Esqueceram-se de brindar, ignorando o ditado que diz dar azar àqueles que não
realizam tal saudação.
Ela
repousou os óculos de grau sobre a mesa de madeira, no mesmo momento em que
ele, com ironia, apresentava sarcasticamente as redondezas para ela -- que
embora os dois anos e meio do município vizinho não conhecia quase nada.
Bem
humorados, pediram mais uma cerveja a qualquer um dos dois garçons à disposição.
Na tevê plantada em frente ao casal, a partida de futebol entre flamengo e
grêmio logo foi substituída por clipes de cantores sertanejos universitários.
Papearam sobre universidade, família e ex-namoros.
Ele,
filho de chileno com paulista; ela, herdeira de pernambucano com pernambucana.
Ele 23; ela 25. Quarenta minutos depois, apanharam seus copos cheios sentido à
área externa do bar. “Se importa se eu fumar?”, perguntou ele. “Para quem se
acostumou com o cheiro de maconha dos amigos que apreciam a erva, cigarro não é
nada”, brincou ela. Poucos minutos depois, porém, uma vendedora ambulante
quebrou o diálogo, oferecendo os “doces da Preta”. Dispensaram a compra, mas
não o cigarro pedido por ela, que não cessou: “E que tal um doce erótico?”,
apanhou de uma bolsa miúda e florida um chocolate preto em formato de pênis. O
trio sorriu. E ela partiu, dizendo que procuraria “mais movimento” na Vila
Madalena.
Entre uma
baforada e outra, a dupla narrou seus porres: dos amores e desavenças com a
tequila à mistura de drinks com sabor de morango e pimenta. Deram luz a baladas
lights e namoros fulgazes; a viagens ao Nordeste ao marasmo domiciliar; aos
passos de forró às apresentações no Circe de Soleil.
De dez
para às vinte horas às dez para vinte e três. Se o tempo havia voado, o
encantamento estava tão bem assentado quanto as estacas que cercam as mangas
onde se criam jumentos bravos.
Estavam na quinta cerveja,
quando um olhar recanteado e um sorriso libertino entregaram um convite.
“Diga”, inqueriu ele, retribuindo com mesmo sorriso, demonstrando que aquelas expressões não
precisavam mais de qualquer explicação.
A sexta
cerveja arrematou a saideira. E o terceiro cigarro, as últimas
tragadas. Dividiram a conta de R$ 46, deixando, juntos, o bar rumo à
casa dela, a dez minutos à pé.
Do lado
de fora do primeiro portão a certificação: luzes apagadas. Como supunha,
ninguém estava em casa. Adentraram à garagem. Ela abriu o segundo portão; ele
rompeu, em seguida. Mais alguns uns passos no corredor, até que a porta que dá
acesso à cozinha por fim foi aberta. Ele adiantou. Parou ao lado da
mesa, em frente à pia onde havia meia dúzia de copos sujos de café.
O giro da
chave na porta foi tão rápido quanto os muitos beijos ardentes que dariam dali
por diante.
As mãos
dela, com seus dedos finos, agarraram com força o pescoço dele em meio a
movimentos rítmicos. Os braços dele, robustos e ágeis, se envolveram facilmente
ao corpo magro dela. Beijaram-se, revezando entre o beijo à la luta de línguas
ao beijo agarrado – quando ela tomava os lábios dele entre os seus.
Abruptamente
ela se apartou dele, abrindo a “porta sanfonada” de seu quarto adjacente ao
cômodo parede à cozinha. Miraram-se por alguns instantes, até ele encostá-la às
bordas da pia, passando a língua pelo seu pescoço. “Vem”, intimando-o, ela
segurou a mão direita dele, arrastando-o para o interior do cômodo.
Um beijo
em pé, ao lado da cama de solteiro, antecipou o momento em que ele deitou-se
de braços abertos sobre a cama de solteiro. Ainda totalmente vestidos, ela
montou-se sobre ele, dando continuidade aos beijos incessantes.
A luz
acesa entregava o prazer latente nos olhos de ambos, enquanto seus corpos
despiam-se involuntariamente: calças e camisetas ao chão; uma cama pequena para horas paradoxalmente largas de prazer.
Sem dificuldade,
sobre si, ele arrancou a blusa dela, que retribuiu automaticamente o mesmo ato.
Ela deslizou, em sincronia, as duas mãos sobre seu abdome definido, até
repousar sobre sua calça jeans.
Ele usava
uma cueca branca, trazendo mais tesão àquela noite, que, assim como garante o
clichê, era de fato "uma criança". Nus, os
beijos alcançaram, sem exceção, cada pedaço de seus corpos quentes.
As horas passaram despercebidas,
bem como a quantidade de posições sexuais – que dispensaram qualquer consulta
ao kama sutra.
Gozaram de cada espaço do quarto minúsculo:
apoiaram-se no guarda-roupa, sentaram-se à beira da cama, ampararam-se à parede
de azulejos encardidos.
Penetram à cozinha. Ela, que
nunca imaginara sentar-se um dia sobre a pia, estava lá. Encarava-o
intensamente, quando os beijos cessavam. Em seguida, foi ele quem sentou-se
sobre uma das quatro cadeiras (que faziam parte da mesa que também fora cúmplice daquela noite), encaixando-a em seu colo.
Uma hora e meia depois, foram
vencidos por um sono leve. Ela repousou sobre seu braço estirado, enquanto
ele cochilava de barriga para cima. Viraram-se dezenas de vezes, revezando a clássica dormida de conchinha. Distribuíram beijos sonolentos nesse ínterim.
Despertaram às três da madrugada.
Desnuda, ela partiu à cozinha em busca de água gelada, embora raramente a bebesse.
Contentou-se com a natural. Ele bebeu no mesmo copo que ela, que ainda trouxe
uma garrafa ao quarto, largando-a de canto para atirar-se novamente sobre ele.
O sono foi consumido pela consumação sexual, estendendo até às quatro e meia da manhã. Seus gemidos e declarações eróticas misturavam-se
com o barulho dos carros que começavam a sair das garagens vizinhas e com as conversas das pessoas que sofriam com o desprazer de levantar em pleno domingo, antes mesmo de o Sol nascer.
Sem banho, preferiram que aquela
fragrância libidinosa continuasse a invadir não apenas seus corpos, como também o quarto, a cama e o cobertor.
Aliviaram, repousando novamente um sobre o outro. Intercalavam, a cada despertar, beijos na testa, sobre os lábios, ou em torno do pescoço. Se ela dava às costas, levava consigo seu braço.
Embora dormentes, tivessem forças até mesmo entrecruzar os dedos uns nos
outros.
Acordaram às dez para as nove da manhã sob a luz do Sol cortando a cortina bege do quarto.
“Preciso ir”, disse ele. “Fica mais um pouco”, pediu ela.
Ele cedeu; ela o beijou em forma de agradecimento.
“Preciso ir”, disse ele. “Fica mais um pouco”, pediu ela.
Ele cedeu; ela o beijou em forma de agradecimento.
Meia hora depois, ela foi a primeira a levantar. Pegou uma chaleira, esquentou água no fogão automático para preparar o café. O cheiro chegou ao quarto a partir da porta sanfonada entreaberta. Sentada à beira da cama, anunciou: “Fiz café para você!”.
Ela regressou à cozinha para por à mesa. Esquentou
leite, apanhou pães sovados e bolachas cream creaker. Minutos
depois, já vestido e despenteado, ele já na cozinha. Deu-lhe um beijo antes
de partir ao banheiro e outro na volta.
Sentou-se sobre a mesma cadeira
que horas antes utilizara não para apoiar-se enquanto beberica o café preto e forte em uma xícara.
“Preciso ir”, repetiu ele. “Fica
mais um pouco”, pediu ela.
A porta foi aberta sem qualquer tipo de pressa, ao contrário de algumas horas antes, quando adentraram juntos, eufóricos e ardentes, naquele recinto.
“A gente vai se ver de novo?”, perguntou ela. “A gente vai se falando”, respondeu ele, sem muito convencimento.
Abriram o portão do corredor e, por fim, o da garagem. “Tchau”, disse ele, dando-lhe o último dentre os incontáveis beijos, selando aquele encontro, que pode ter se resumido a quatorze horas.
A porta foi aberta sem qualquer tipo de pressa, ao contrário de algumas horas antes, quando adentraram juntos, eufóricos e ardentes, naquele recinto.
“A gente vai se ver de novo?”, perguntou ela. “A gente vai se falando”, respondeu ele, sem muito convencimento.
Abriram o portão do corredor e, por fim, o da garagem. “Tchau”, disse ele, dando-lhe o último dentre os incontáveis beijos, selando aquele encontro, que pode ter se resumido a quatorze horas.
terça-feira, 13 de agosto de 2013
Beijo com sabor de vinho branco
Desci a rua da Consolação em passos acelerados -- bem mais apressados do que os de costume. As pessoas e os carros passavam por mim quase que invisíveis.
À minha frente, uma tela imaginária exibia, em flashbacks -- assim como nos filmes --, uma série de
lembranças que sonhara eu estivessem apagadas há um bom tempo.
E quanto mais rápidas se tornavam as passadas, mais
fortemente ressurgiam as recordações. Elas que, infelizmente, haviam ganhado apenas um “pause”.
Eram pouco mais de 22h, e o único
passado presente naquela sexta-feira julina eram os momentos universitários
reportados numa mesa de bar, ao lado do Mackenzie, onde se graduaram a meia
dúzia de jovens jornalistas.
No entanto, os passos largos me levavam a um momento
interrompido há nove meses, exatamente ao mesmo lugar do primeiro e derradeiros
encontros, fruto de todas essas recordações que embriagavam minha alma ainda
recheada de melancolias.
Apressado, amparava a mochila nas costas com a mão esquerda, enquanto a bolsa batia a cada passo ligeiro. E quanto mais próximo eu chegava do destino final, paradoxalmente, desejava o atraso. "Assim, não a encontraria mais”, pensava comigo mesmo. Mas não.
Apressado, amparava a mochila nas costas com a mão esquerda, enquanto a bolsa batia a cada passo ligeiro. E quanto mais próximo eu chegava do destino final, paradoxalmente, desejava o atraso. "Assim, não a encontraria mais”, pensava comigo mesmo. Mas não.
Pouco mais de meia hora desde o primeiro contato, lá estava eu. Queria não ter recebido aquela mensagem no whatsapp, de um número desconhecido, perguntando como eu estava. “Estou bem”, respondi ainda sem saber quem era, até
que o armazenamento do contato por meio de uma letra aleatória, um “F”, trouxe imediatamente a figura do seu rosto negro e dentes alvos.
Quando cheguei na rua, já ao longe, pude notar que ela me
aguardava na parte inferior do bar. Abortei a pressa para falar comigo mesmo
instantes antes de encará-la definitivamente. “O que estou fazendo?”, me
autoinqueri, sem sucesso.
Ela arregalava os olhos e um sorriso em minha direção. Já eu não conseguia mirá-la proporcionalmente. Nos demos as mãos na grade que separava
o bar, de dois andares, da rua. Enquanto ela me olhava com aquele sorriso colossal,
minha face, sem expressão alguma, parecia carregar uma gigantesca interrogação. “Não vai entrar?”, me questionou. Sem dizer nada,
adentrei o espaço, assim que apanhei a comanda do segurança na entrada do
estabelecimento.
Com um copo de vinho branco na mão ela me abraçou firme, ao passo que meus braços compridos não tiveram forças para entrecruzar seu corpo magro.
“Quanto tempo...”, indagou ela, procurando iniciar um diálogo
pacífico. Mudo, eu procurava barrar uma possível explosão de frases impulsivas que
poderiam sair da boca de um típico ariano.
O bar estava cheio, tocava, randomicamente, estilos que
variavam do MPB ao sertanejo universitário. Subimos às escadas em direção à
mesa onde se encontravam três de seus amigos. “Você sumiu!”, disse um deles que
havia me excluído do Facebook há alguns meses. “É... Sumi”, controlando, com
moderação, o amargor por detrás das palavras que poderiam ser soltas a qualquer
momento.
“Você está mais bonito”, me elogiou ela, enquanto me olhava
como quem estivesse à frente de uma nova pessoa. “Continuo o mesmo... Assim
como a mim você me parece”, respondi, seco.
“Não sei... Você tá diferente”, insistiu.
“Pode ser a barba que tenha me dado um novo ar”,
contra-argumentei.
Com meus olhos fixos aos seus, embora a escuridão daquele
bar, eu buscava encontrar respostas dentro de suas pupilas dilatadas.
Defronte a um enorme espelho, na parte superior do
estabelecimento, ela via sua própria imagem. Sorridente, aparentemente feliz em
ver, me pediu para “abaixar a guarda” na tentativa frustrada de um abraço.
“Por que deveria?”, retruquei essa que era a indagação que
dominava qualquer discurso que eu pudesse empregar naquela noite.
“Por que... ?”, e antes de qualquer discussão de relação que não mais existia,
ela interrompeu o princípio do que seria um interrogatório, para se encostar
ainda mais próxima a mim.
E enquanto meu corpo desejava o seu, minhas lembranças
rememoravam, há nove meses, nós dois, sentados em uma mesa daquelas, trocando
beijos recíprocos e sorrindo, aparentemente felizes.
Porém, irresistivelmente, cedi. Envolvi seu corpo ao
meu e, ritmicamente, nos beijamos, beijamos... E, a cada intervalo, eu fixava meus
olhos nos seus à procura de respostas que decerto não seriam respondidas numa
noite que poderia ser resumir "a apenas uma noite".
“Havia esquecido que seu beijo era tão bom”,
revelou ela. “Você se esqueceu tanto coisa...”, completei, quase que em sussurros.
Ficamos ali por quase uma hora, até seus amigos a intimarem
sua despedida, muito postergada por ela, que amparava o copo na mão direita,
levemente cambaleante.
Descemos as escadas rumo ao caixa. Paguei apenas a entrada
no bar: R$ 6, enquanto ela desembolsou R$ 180. Já meio embriagada, demos um beijo de despedida
ainda dentro do bar. Um beijo com sabor de vinho branco, seguido de um toque no rosto.
Do lado de fora, o início do fim do reencontro foi selado por
sua inquisição. “E agora?”. Com sarcasmo, retruquei, emendando: “Meu número você
tem!”.
Viramos as costas, descortinamos as lembranças. E, confesso: não sei se definitivamente a taça foi quebrada ou se será remendada, se demos adeus ou um até logo.
Viramos as costas, descortinamos as lembranças. E, confesso: não sei se definitivamente a taça foi quebrada ou se será remendada, se demos adeus ou um até logo.
sábado, 23 de fevereiro de 2013
Cozinha
Qualquer
arquiteto ou designer de interiores teria uma verdadeira síncope. As cozinhas,
em uma analogia grosseira, se assemelham ao trânsito indiano. Sempre achei
formoso a luminosidade das vasilhas de alumínio penduras sobre as tiras de
cordas, quando não nas prateleiras simples de madeiras, escoradas sempre aos
cantos – mas esta não é a realidade exposta nesta crônica.
Os chapéus
são figuras assistentes no cômodo onde impera o fogão a lenha. De feltro ou de
palha, o utensílio ganha espaço normalmente sobre os pregos afixados nos cantos
dos batentes das portas.
As mesas
também são autênticos armários. Sobre elas estão os potes de café e açúcar, as
garrafas de café e copos de plástico e de vidro. No recinto ainda está o
rolengo que enche o peito quando a luz apaga e se emudece ao acender do
interruptor.
Se a cozinha
é o compartimento onde se preparam os alimentos, não deixa de ser – ao menos na
casa da minha avó paterna – o ambiente onde se amontoa um pouco de tudo. Tem
tanque de lavar, caixas variadas e ao menos duas mesas que sustentam miudezas.
As galinhas e
seus pintinhos entram sem convite. Ciscam o que podem. Encontram o aparto da
vassoura rumo ao portão mais próximo.
terça-feira, 29 de janeiro de 2013
Sexo explícito
Uma primeira
tentativa, e nada. Ele tenta cortar sob os galhos do pé de café, à cata da
melhor estratégia para alcançá-la. Atrás dela, rapidamente rodeia para outro
rumo. Ele é garboso. Tem quase a vaidade de um pavão. Apenas não precisa abrir
as penas para mostrar que é imponente. Estufa o peito para exibir sua macheza.
Para
comprovar que é macho, segue em seu segundo ensaio. Ateia ela de surpresa.
Ambos estão no terreiro. É quase um ringue. A diferença é que não há tablado.
Há espectadores, mas que não enxergam aquele domínio como algo inusitado. Veem
esta cena diversas vezes na semana.
Quando ele, o
macho vigoroso, quer abocanhar a fêmea, normalmente inofensiva. Ele então consegue
alcançá-la; ela que se esquiva; escapulindo para outra direção.
Dá início a
uma debandada. A poeira sobe naquele corre-corre. Meus olhos acompanham cada
movimento da dupla que por ele quer ser formada. Enquanto para ela, a fuga
simboliza a preferência em ficar sozinha.
Ela não cede.
Mas suas pernas não são mais velozes que as dele. Ele a captura. Com braveza,
arrasta-a para debaixo do café. Não sei se fora involuntário o esconderijo não
tão oculto assim. Mas ali abaixa-a. Sobe em cima de seu corpo, friccionando a
cabeça dela. Cinco vezes. Ela se estrebucha, tentando se apartar. Mas é inútil.
O sexo então
acontece, e de forma explícita, à luz do dia de uma tarde baiana embebecida de
poeira e sol a pino. A transa, sem gritos, não extrapola mais que um minuto.
Tempo suficiente para que ele se desgarre do corpo dela e saia normalmente, se
encaminhando para a direita, enquanto ela dirige para a esquerda.
Sem nenhum sentido figurado. Ele é o galo.
Ela, a galinha.
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
Aos 18
Enquanto a lua cheia imperava no alto da noite natalina, em terra firme foi um
pequeno homem quem se anunciou: apenas em um olhar de relance e um “Oi”
coletivo -- tão passageiros quanto suas pernas curtas, no passo ligeiro.
Ele sequer alcançou a segunda unidade. Explico. O cabelo era aparado com a máquina número 1, medida também equivalente a sua estatura – que não chegava aos 1,70 m. No corpo miúdo, a calça justa contornava as pernas torneadas, da mesma forma que a camisa evidenciava breves os músculos aparentes.
A pele era cor de chocolate amargo, em contraste ao olhar doce. Tinha as pálpebras caídas e a voz grave, que, de longe, não denunciavam a recente chegada da maioridade.
Ele sequer alcançou a segunda unidade. Explico. O cabelo era aparado com a máquina número 1, medida também equivalente a sua estatura – que não chegava aos 1,70 m. No corpo miúdo, a calça justa contornava as pernas torneadas, da mesma forma que a camisa evidenciava breves os músculos aparentes.
A pele era cor de chocolate amargo, em contraste ao olhar doce. Tinha as pálpebras caídas e a voz grave, que, de longe, não denunciavam a recente chegada da maioridade.
Os 18 anos não lhe eram estranhos. Afinal, ele seguia seu percurso naturalmente, sem pressa. E nesse anúncio, fez um olhar alheio procurar o seu, no mesmo instante em que se instaurou uma espécie de crise etária: o outro vivia ainda abarrotado aos protocolos. “O que há demais no 18!”, pensou. “Ao menos já não é mínimo”, discutiram mentalmente seu tico e teco.
A separação de sete anos de idade entre um e o outro pareciam um distanciamento de sete décadas. Mas não eram. Uma diferença equivalente, num paralelo bem grotesco, à fase de uma criança na segunda série do ensino fundamental. E o mínimo que se podia fazer nesse conflito etário foi deslembrar os anos para pensar (e aproveitar) os segundos – sim, aqueles segundos.
Abandonaram então quaisquer burocracias para viver as simples emoções de uma noite clara, com frases expulsas levemente de sua boca de dentes alvos e lábios negros.
Em meio à declamações de trechos de Rihanna e Lana Del Rey, seguiram o mesmo tom, desafinado, mas com risadas acertadas como se fossem “diamantes no céu” e não um “verão de tristeza”.
Sem qualquer tipo de frustração etária, os beijos seguiram a mesma sincronia no exato momento em que os braços encobriram às costas –até então alheias – à procura do aperto comum. E sem aparto, emendaram-se numa rua de terra batida em meio a casas desconhecidas com a trilha sonora dos grilos – os cúmplices da noite.
O anoitecer quebrou protocolos e qualquer possível trauma dos 18 anos, simplesmente porque não há regras. Sem terapias, os beijos doces nasceram – mesmo que já tenham morrido – naquela noite em que o encanto e o flerte falaram mais alto que os anos.
quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
O amante
“Era a menina
mais difícil da região”, disse ele com o peito estufado de orgulho. Decerto a
mesma altivez como dos tempos em que saía às festas com os sobrinhos de mesma
idade e com eles competia o flerte das meninas mais bonitas. Nesse caso, evidente,
a garota de coração arredio da vez não vivia no mesmo perímetro em que ele.
Afinal, seria complexa a tarefa de conquistar um coração de 22 anos caso a
moçoila soubesse que seu galantear fosse casado há meia dúzia de anos, além de
ser pai de um menino de cinco e de uma menina que dará seu primeiro choro assim que
2013 der o ar de sua graça. “Uma menina gata, pensa aí...”, narrou com gabo
indisfarçável, como se a traição não tivesse o mínimo sequer de pesar.
Os anos lhe
deram alguns quilos a mais, sobretudo na circunferência abdominal. Mas a pança parece
quase não lhe importar. Assim como o cabelo crespo clareado por algumas
“luzes”, escondido por um boné surrado. Estar feio ou bonito também parece, no
entanto, ser uma sentença frívola, uma vez que ele, no alto de seus 26 anos, pai-de-família,
“pegou” a menina mais “difícil” do povoado com nome de água, da cidade vizinha
a que mora.
Nem mesmo ele
conseguia elencar como fora capaz de alcançar tamanha proeza. Tampouco eu. Mas
conseguiu. E isso fora o bastante. Não porque duvidasse de suas habilidades de
cortejo. “O casamento não estava bem?”, pensei. O que o levara a por um par de
chifres na mãe de seus dois filhos, naquela mulher que sorri nos portarretratos
pendurados na estante da sala de sua casa?
O matrimônio
trouxe um quê de proibição que talvez carecesse. Ele, que na adolescência,
tentara cortejar meninas com buquês de flores e caixas de bombons embelezadas
de cartões apaixonados. Na verdade, elas sempre estiveram muito mais
interessados num beijo roubado a um chocolate amargo. Mas disso ele nunca
soube. Como agora então conseguira?
O título de
amante lhe pertenceu por algumas semanas -- período em que durou a aventura
amorosa -- depois que todos os envolvidos estiveram presentes em uma mesma
cena. “Ele é casado!”, revelou a irmã do amante, assim que a irmã da
traidora-sem-saber questionou seu paradeiro em uma festa onde, infelizmente ao
adúltero, eles se encontravam.
Em sua casa,
enquanto ele revigorava seus trunfos, a traída então chega. Grávida, a barriga
parece estar prestes a explodir e rasgar o vestido florido quase se arrastando
ao chão. Miúda, ela não inchou depois da gravidez. Os cabelos marrons carregam
a mesma tonalidade das mulheres que se atracam na garupa duma motocicleta e que
deixam para trás o preto depois de uma viagem sobre o chão de emana a poeira da
mesma cor da barriguda. Ela é nova. Chegou aos 27, um ano mais velha que o
marido. Diz ter chegado ao número-limite de herdeiros. Ao menos é o que
garante, embora não tenha certeza se fará ou não operação para não mais
engravidar. “Vou operar assim que ela nascer”, promete. Porém, essa não será
sua sina, caso siga o mesmo caminho que a maioria das fêmeas vizinhas.
Enquanto ela
adentra sua residência, o amante então disfarça a prosa. “Vamos mudar de papo”,
aconselha, embora inutilmente. É ela quem reaviva a pauta, logo em seguida. “Aqui
o povo tá tudo meio doido, menino”, exclama. “Esse aí – apontando para marido
--, quem viu, quem vê”, diz, lastimando com um “Ai, ai, ai” que finda a
discussão amena. “Eu não”, retruca ele em dissílabas, com um tom claramente debochado.
O que me
parece é que a pulada de cerca para esse casal baiano assemelha-se a muito mais
que uma travessura de menino -- como a do filho que derrama um copo de café com
leite sobre o sofá -- do que o reflexo de que a crise dos sete anos de
casamento pode ser não apenas uma lenda. Eles simplesmente sorriem de si,
enquanto eu tento entender se trair e ser traído é tão simples assim como dizer
que “quem viu, quem vê”.
segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
Flávia
Dez segundos.
Até meu olhar desordenado identificar, antes do beijo do lado direito do rosto,
sua fisionomia. Primeiro, um aceno com o braço direito em meu rumo. “Quem era
ela?”, pensei, ainda sem poder me afeiçoar em tempo hábil àqueles traços graciosos,
até meus lábios se encostarem ao canto esquerdo de sua face morena. “Tudo
bem?”, ela me perguntou com sorriso acanhado. Monossilabicamente, disparei um
“Tudo!”, meio embaraçado.
Ela então se
antecipou, sem me dar chance de ensaiar qualquer oração, à posteriori. “Este é
meu marido”, me apontou, em disparada, aquele com o qual agarrava a mão sem
aliança no dedo anelar. Imediatamente, fora a minha que apertou a sua forte e
ligeiramente. Em seguida, nossos olhos, efemeramente, se cruzaram; no mesmo
instante em que balançamos a cabeça como cumprimento típico de dois anônimos
que se veem pela primeira vez.
Embora estivéssemos
vestidos a mesma camisa, ou melhor, o mesmo abadá, em nada nos parecíamos. Ele
tinha os cabelos aparados pela máquina 1 e ultrapassava os 1,70 m de pele morena,
queimada de sol, há aproximadamente 30 anos.
Ela estava com
27. A camisa, costumizada, ganhara o formato de uma blusinha de alças azuis que
deixavam à mostra o colo do peito e a barriga enxuta. De pernas nuas, o
shortinho branco encobria pouco menos de dois palmos de suas coxas cor de
bronze, que sustentavam por uma sandália de salto alto a pequeneza de seus não
mais que 1,67 m. Ela estava linda!
Aproveitei as
luzes que piscavam ritmicamente de dentro do galpão, de onde também explodiam
funks e outras batidas eletrônicas, para me distanciar lentamente do casal de
namorados.
A festa
estava lotada. O que não impediu que
meus olhos e os daquela notável, até então estranha, se encontrassem novamente
naquela multidão. De longe, nos fitamos, enquanto, agarrada pela cintura, seus cabelos
-- como caracóis gigantes que tomavam todas as suas costas -- balançavam em
sincronia. Defronte a mim, enquanto aquelas mãos fortes e másculas de seu
marido seguravam-na, o meu olhar e o dela, análogo e nostalgicamente, seguiram a
mesma e única direção: um caminho trilhado oito anos atrás.
Flávia
Esbarramo-nos
por essas trajetórias incertas que o destino nos coloca à frente.
Sorrimo-nos,
quando meu sorriso triste se deparou com seu sorriso incandescente.
Uma
silhueta mágica desenhou a irresistível sensação do momento.
Nada
mais fiz a não ser reparar suas ações e gestos.
Imaginar
no pensamento, ao certo,
Como
deveria ser aquela linda jovem, cuja idade havia estipulado dezessete anos.
Que
na mente nunca pode vê-la chorando,
Apenas
esbanjando a vivacidade contida naqueles olhos de ternura.
Eu
sei, parece não ser verdade.
Talvez
pense ser loucura.
Acredite,
sinceramente é.
Menina
ou mulher.
Não
importa a forma como você chega em minha cabeça.
Mas
de uma coisa tenho certeza:
Parece
que o destino quer que eu não te esqueça jamais.
Seu
nome era Flávia. Apenas disso eu sabia,
Quando a conheci admirando as poesias que ela mesma fazia.
Quando a conheci admirando as poesias que ela mesma fazia.
(Bahia,
14 de novembro de 2004)
Seu nome era Flávia, mas
eu não soube disso nos cinco minutos em que nosso flerte trouxe memórias naquela
festa que sinalizava o penúltimo dia do ano. Em um caderno universitário,
resgatado há alguns dias, ainda estão cultivadas as lembranças de um menino, de
então 16 anos, encantado por uma desconhecida, cujo nome apenas sabia.
Flávia se tornara inspiração
sem que eu soubesse, sequer, o tom de seu sotaque carregado. Dividíamos
o mesmo pátio do Colégio Dária Viana de Queiróz, em Barra do Choça. Ela, no 2º
ano do ensino médio. Eu, no primeiro.
Assim que, literalmente,
nos topamos um com o outro, apaixonamo-nos; primeiro, por nossos escritos. Em
seguida, nos tornamos amigos. E, por fim, descobrimos a sintonia de beijos
molhados, quando ensaiamos um namoro que (até hoje não sei por que) perdeu o
fulgor em apenas um trimestre.
Revezávamos nossas
visitas um à casa do outro. Ela entrecruzava seus braços em meu abdome à
procura de segurança todas as vezes em que eu, sob o comando de minha Titan 96,
nos rumamos da Barra do Choça, de onde ela morava, ao povoado Cavada 2, onde eu
vivia com minha família. “Seu cheiro natural é tão bom!”, reiterava em todos os
nossos itinerários cidadeXroça; assim que ela subia em cima da motocicleta, unindo seu corpo
ao meu, e, como uma espécie de ritual, apoiava o queixo à direita do meu ombro.
A adolescência de Flávia
se findou não quando terminara o ensino médio em 2006. Mas, no ano
seguinte, assim se tornara mãe. No entanto, a filha, gerada em São Paulo durante uma
viagem à cidade cinza -- hoje com cinco anos --, nunca chegara a conhecer o
pai, que interrompera sua vida em um acidente de moto.
Flávia se casou com um
conterrâneo. O matrimônio sem “papel assinado” é mantido há menos de um
semestre, na casa aos fundos da qual vivia com os pais e dois irmãos.
O ensino médio se
distancia ao mesmo tempo em que o ingresso no ensino superior parece cada vez
mais se afastar. A metade do salário mínimo que garante o sustento de sua herdeira
não vem da poesia, como bem sonhara em nossos tempos de flerte. As mãos de
Flávia se apartaram da caneta e do papel para movimentá-las, em círculos,
diariamente, enquanto mexe o caldeirão onde prepara a refeição cotidiana que
alimenta as crianças de uma creche local.
Não sei se Flávia continua
com o mesmo diálogo doce ou se sua filha tem a mesma tonalidade de sua pele e de
seus cabelos encaracolados. Nossa prosa se resumiu a um breve aceno, um
“Tudo bem?” e um olhar inundado de recordações.
“Oi. Você que é o
Vagner? Sou amiga de Flávia. Ela me pediu seu número!”, me abordou sua colega
de trabalho – a responsável por me atualizar sobre o dia a dia de Flávia.
Flávia não me ligou
dentre os poucos cinco dias que me restavam na Bahia, na primeira semana de
2013. No entanto, como pressentido há oito anos, e antecipado na crônica à
época “(...) Parece que o destino quer
que eu não te esqueça jamais”. A confirmação desta afirmação está não
apenas nesta frase, mas banhada em cada desses mais de 6 mil caracteres que costuram este texto em uma única lembraça.
quarta-feira, 9 de janeiro de 2013
Inimigo revelado
Em vez de amigo secreto, uma
espécie de inimigo revelado. Antes dos presentes, um básico ritual: as DRs. À dianteira
do mimo ao colega, primeiro, a lavagem de roupa suja. E na discussão do
relacionamento, a dança das cadeiras dos namoros: fulano que pegou cicrano, que,
por sua vez, brigou com beltrano por conta do chifre trocado.
Entre farpas e beijos, por
fim os presentes nada imprevisíveis. Todos já haviam lançados seus desejos –
alguns até experimentado as roupas futuras: a amiga que queria uma bata, o amigo
que fantasiava um perfume. E embora a imprevisão, um presente extra. Sim. Sempre
dois pacotes: um par de blusinhas, uma taça com uma toalha bordada com a frase
no braço da tatuagem do preterido.
Eles se reuniram na casa de
um dos amigos. Cada membro se incumbiu pelo ornamento da sala ou pela compra
das rosas (brancas e vermelhas). As flores simbolizavam a paz e o amor: a
branca aos antagonistas, para banhar o espírito da paz; a vermelha aos irmãos-camaradas.
A sala miúda acomodava o
grupo. Uns sentaram-se nos sofás individuais que se juntaram para otimizar
espaço, enquanto os demais se ajeitaram no chão sob o tapete limpo no dia
anterior – com o olho arregalado da dona, atenta a qualquer possível ameaça ou,
no caso, às batidas ou às cervejas ou aos vinhos, despejados no estofo. A prosa era ser regada a
batida de maracujá, vodka com refrigerante de guaraná e latinhas geladas de
Skin 350 ml.
A cerimônia fraternal teve
início com um vídeo especialmente feito à ocasião. Na televisão de 21 polegadas,
cada um dos 14 amigos-e-rivais tinham suas fotografias individuais expostas na
tela – cada qual em uma situação específica. Em seguida, foi a vez dos vídeos
(com imagens em movimento dos momentos das cachoeiras e das baladas), que
solenizavam os instantes de risadas e diversão. A porta fechada abafava o ambiente,
apartando a luz do sol que invadia a casa com uma quentura infernal.
Para um dos palestrantes à
entrega dos presentes, 2012 foi um ano de perdas densas, mas também um período
de aprendizado para o ano que adentra. Consciente dos flagrantes de confusões e
revoltadas, a confissão era de amor. Quase como o texto “A quadrilha”, de José
que ama Maria e Maria que ama que João... No entanto, apesar do amor
incondicional, talvez a verdadeira razão para aquela irmandade era a tradição.
Há quatro anos, a trupe
segue o rito. Enquanto um elemento do grupo se encarregou de produzir o
videoclipe, outro se delegou em fabricar o CD exclusivo, com catorze faixas
musicais com a canção predileta de cada componente.
Depois do troca-troca dos
regalos, a feijoada. Pratos atulhados de feijão preto com farofa e saladas
abandonavam a cozinha rumo ao assento mais próximo. Após o rango, melancia para
refrescar a tarde que aquecia com pagodões e arrochas. Ao som das músicas que
dominavam com destreza dançavam e cruzavam os olhares ternos e afetuosos, mesmo
que de relance, e no lance de orgulho infeliz mostravam que a felicidade existe
entre todos, que brigam e se amam com a mesma força que se odeiam.
“O amor e o ódio
vivem lado a lado”, profere um do grupo. E essa deve ser a principal razão para
que entre estimas e desdéns eles jamais deixem de repartir a mesma casa, as
mesmas bebidas e os mesmos sorrisos.
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