domingo, 4 de dezembro de 2011

Alianças


Casamento dos meus pais, em junho de 1986.
Minha mãe, Osmilda, está vestida de rosa (à direita), ao lado do meu pai, de chapeuzinho.

O dia do casório era aguardado com ansiedade pelas moçoilas baianas. Sem a pompa do vestido branco longo ou a ornamentação com rosas vermelhas e copos-de-leite em toda a igreja, o que lhes restavam então era o empréstimo da indumentária de uma tia mais velha que tenha se dado ao luxo de entrar de branco na igreja e ainda uma extensa "latada" (uma espécie de ambiente externo à casa, suspenso com lonas). Normalmente sem o ordenado para alugar igreja e pagar a bênção do padre, bem como desembolsar vestuário aos padrinhos e damas de honra, sem outra opção, o cartório era o ambiente para a celebração do casamento.

Não havia entrada triunfal da noiva atrelada ao abraço do pai. Sequer marcha nupcial (a não ser na imaginação das meninas que se casavam no alto de seus 16 anos), crendo, sobretudo, terem se deparado com o príncipe encantado de suas vidas, muitas vezes príncipe este, o primo com quem convivera toda a infância. Em um paralelo clichê, é como se seguissem a teoria do “se não tem cão, caça com gato”, ou “se não teve pretendente novo, se casa com primo”.

As coisas aconteciam mais ou menos assim... Gente nova no "pedaço" era raridade. Pela lógica, as pessoas deveriam, mais cedo ou mais tarde, se casar; e pela lógica também, a alternativa era unir as escovas de dente com aqueles com quem viram crescer.

Luxo era regalia somente às novelas que os noivos assistiam todas as noites defronte à TV de quatorze polegadas. A festa do casamento se resumia à comilança, ao som de muito forró. Era almoço ou jantar, depois das formalidades da igreja. Fartura de comida, por sinal!

Os mais abastados financeiramente matavam bois para celebrar o casamento das filhas virgens. Às pés-rapadas, um mutirão de senhoras se incumbia de preparar nos caldeirões arroz, feijão, macarrão e galinha cozida. Os drinks eram cachaças temperadas com ervas e outros guere-gueres aromatizados. Alguns engradados de cerveja eram selecionadamente distribuídos aos convidados mais ilustres.

Por ali, ninguém se dava ao trabalho de convidar as pessoas – decerto a maioria iria com convite ou não ao casamento, ou sinceramente dizendo, à festa. Quando o dinheiro permitia, o casal alugava ônibus para encaminhar os convidados à igreja que ficava na cidade. Já cheguei a ver até três coletivos abarrotados de gente. Depois da união, os veículos se dirigiam à casa da noiva, onde era se realizavam os festejos.

Mas o que sempre me chamou atenção nesses casamentos foram as alianças. Sim, as alianças – e no sentido literal. Já me deparei com muita menina se casando com a aliança da mãe, da tia, até da vizinha. Como sabemos, alianças de ouro são caras, e embora seja esse par de aros o símbolo do matrimônio, para esses casais, que com muito esforço queriam celebrar a vida conjugal, não eram as argolinhas o significado fundamental para união de suas vidas.

Por conta disso, as alianças eram emprestadas. Afinal, sem elas como o padre abençoaria a união até que a morte os separassem? Depois de atravessar a aliança dourada no dedo anelar esquerdo, logo mais, ambos – noivo e noiva – deveriam devolver o par aos verdadeiros donos. Dias depois, dois anéis simples e baratos, não deixariam nus os respectivos dedos que se enlaçavam a partir dali "na tristeza e principalmente na pobreza até que as alianças emprestadas os separem".

3 comentários:

Denise Paiero disse...

Que delícia de texto, Vagner! Adorei!

Tiago Fagner disse...

Casamentos, são sempre um evento para a família.
Essa parte: "se enlaçavam a partir dali 'na tristeza e principalmente na pobreza'" é bem forte e a realidade da maioria dos casamentos. Não importa, porém, dinheiro não compra a felicidade, só as alianças.

Tayse disse...

Nossa! Quanto talento hein? Adorei o texto. Você simplesmente transformou uma realidade triste e melancólica em uma história deliciosa de se ler. Adoreeeeei!
Beijos.