sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O presente de bosta


O que fazer quando a privada do banheiro do apartamento de duas mulheres entope? E quando, ainda, no mesmo dia, uma delas fica mega-apertada e não consegue controlar a necessidade fisiológica do “número 2”?

Bom, neste momento, apresento-lhes uma das histórias mais cômicas, já presenciadas por mim. E claro, não deixaria de privar-lhes desse acontecimento célebre.

Cecília divide o apartamento com a amiga Paula, na Rua Mateus Grou, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. A primeira tem 64 anos, é paranaense, mas fez a vida na capital paulista. Paula, aos 26 anos de idade, oriunda de Pernambuco, trabalha na improvisada clínica de estética, instalada no próprio apartamento.

Devidamente apresentadas, as moças nunca tiveram problemas com as tarefas caseiras. A idade não impediu Cecília, por exemplo, de pintar a parede da sala de estar, dia desses.

Numa certa manhã, limpando a privada, ela deixou cair a flanela dentro do vaso, onde desceu diretamente pro fundo. Depois de dada descarga. O que desceu pelo cano foi sua consciência, bem mais profundo do que pano. Obviamente, a privada entupiu. Com o intestino preso, Cecília não se preocupou com o ocorrido, porém o mesmo não se aplicou à Paula. Fato: no mesmo dia, a garota precisava ir ao banheiro. Quem dera fosse o número 1! Mas e agora, o que fazer? Cecília sugeriu à amiga. “Faz suas necessidades numa sacolinha, ô!”

Não consigo não visualizar, através de minha mente fértil, tal cena. Mas apartando o vislumbre... Feito e dito. Paula depositou a digestão do jantar, da noite anterior, dentro de uma sacola plástica de supermercado. Mas jogar no cesto de lixo do banheiro seria o mesmo do sentar-se no vaso sanitário. Arremessar da janela de casa poderia render-lhe processo de algum vizinho, caso visse tamanho despautério. E Cecília, então, teve outra ideia. “Pode deixar, amiga, largo a sacola em algum lugar, na hora em que eu for trabalhar”.

Dito e feito. Cecília, toda emperiquitada; usava roupa social do serviço, onde trabalha como secretária numa clínica de cirurgia plástica. Para abafar o odor, Paula embrulhou suas fezes, quase como um presente. Após armazenar numa sacola de grife, Cecília partiu com o pacote. Desceu as escadas, até que deparou-se com a vizinha, que a alugou por alguns minutos.

Assim que fechou o portão, avistou uma árvore livre, já na esquina, próxima à faixa de pedestre que teria de atravessar. Olhou pra um lado, fez o mesmo pro outro. E, disfarçadamente, desfez do embrulho. Mas por pouco tempo... Buzinas e mais buzinas em sua direção: “Senhora, seu bolsa! Esqueceu ali na árvore!”, gritou um motorista.

Cecília dramatizou a amnésia para o homem. “Meu Deus, onde estou com a cabeça!” Catou a alça da sacola chique, e prosseguiu seu percurso. Sem saber onde deixar o pacote, olhando de um lado pra outro, de repente, apareceu outra conhecida, que a alugou por mais um bocado de tempo. “Nossa, que sacola bonita! Vai dar algum presente, ou acabou de receber?!” Cecília se conteve para não gargalhar da situação. “É o presente de uma amiga minha!”

Em seguida, andou mais adiante, e, por fim, largou a sacola debaixo de outra árvore, ainda na Mateus Grou. Aliviada, foi trabalhar. No regresso, passou pelo mesmo local. A sacola permanecia por ali. Cecília encostou, mexeu no embrulho, que, agora, estava vazio.

Mas o que será que aconteceu? A suposição é que algum homem – isso mesmo –, para não pagar o mico de circular com uma sacola feminina, apanhou aquilo que considerou ser um presente esquecido por alguém e se mandou com o embrulho. Aonde e com quem o presente foi parar, é a indagação que me faço agora. No mínimo, o que pode ter acontecido assim que o sortudo abriu o pacote foi ter dito: “Que bosta!”

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Abaixo ao som!

Uma coisa é ter um estilo musical; outra – e muito distinta – é querer obrigar as pessoas apreciarem também, e isso, acontece quase que diariamente nos ônibus lotados de cada dia. Não bastasse desconforto do transporte público, tão entupido de gente, a cargas d’água, não sei por que razão, alguns seres humanos insistem “curtir” o MP3, as musiquinhas no celular, ou em qualquer outro aparelho eletrônico, no volume mais alto possível.

Não tenho nada contra os seresteiros, são trabalhadores como qualquer outro indivíduo. Que cada um ouça a seresta que merece, mas, convenhamos na confortabilidade de suas casas. É isso que meu tio materno, Agamenon faz. Todo final de semana, quando a disposição aumenta, falta explodir as caixas de som do microssistem, apreciando seus cantores prediletos. É o caso dos forrós pé de serra, ou aqueles que, pela letra e melodia não duvido ser do tempo em que Lampião ainda tentava conquistar Maria Bonita.

Uma vez, juro, sabia apenas de onde vinha o som de funk, mas o que custei acreditar era que aquela mulher, loira, aparentemente com 30 anos e bem-vestida fazia questão de desmoronar minhas impressões sobre ela, caso, de verdade, ela estivesse seqüenciando aquelas canções. Longe de mim ter alguma coisa contra o estilo. Claro, confesso, não me apetece nem um pouco, porém pelo teor explicitado nas letras das músicas era residia meu espanto. É natural mulher gostar de funk, mas nos clubes, não ligar o som do celular e ouvir em pleno ônibus.

Uma moça, sentada ao meu lado, tentava - mas ficou muito distante de conseguir -disfarçar o incômodo que a intrigava. Suponho que ela tenha imaginado: “que pouca vergonha!”. Pude ler claramente na expressão que ela fez, quando começou a tocar uma música que referia a vou fazer isso na sua boca, vou fazer isso no seu outro lugar.

A mulher manuseava o celular rosa, as batidas da canção deixava evidente letras repletas de trocadilhos. De repente, ela levantou-se, deu sinal, e no ponto seguinte desembarcou. O som prosseguiu. Na verdade era o homem de terno e gravata que agora, fazia uma espécie pot-pourri à lá MC’s da vida. Vou ser sincero: por essas e outras, tenho vontade de fazer um abaixo ao som no busão.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Hambúrguer, batata frita e coca-cola


Sentei-me ao lado de duas senhoras, depois que chegou a vez da minha senha, número 122, que referia-se a um steak bovino, mais um suco de laranja, apontar no visor do painel digital do Giraffas. Perdi o lugar pra um cara que devorava um megasanduíche oriundo do Subway. Uma senhora gesticulava para mim, chamando-me para sentar na mesa próxima à sua. Ajeitou-se, com a amiga, quando acomodei-me com meu prato, quando ela disse: “Aqui tem de ficar com o olho no prato e outro no assento”.

Um cantor nem um pouco conhecido tocava um sonzinho MPB na praça de alimentação daquele shopping na Paulista. As amigas papeavam sobre saúde. Criticavam o aumento do peso dos brasileiros. “Você viu – dirigindo a mão cheia de bijuterias à amiga – como brasileiro tá gordo?!” A senhora de batom vermelho-sangue nos lábios, em combinação os colares coloridos pendurados no pescoço, sem contar o vestido florido, não cansou-se de outras expressões exclamativas. “O Pedro tá pesado, hein, ainda bem que tá nadando agora, pois deu uma emagrecida. Até pras Olímpiadas ele ia, caso se dedicasse mais ao esporte, mas como tem a escola, preferiu abdicar da natação intensiva”. A outra senhora, que usava óculos de graus e um vestido preto básico era mais pacata, enquanto a amiga emendava um assunto no outro. “E a Tereza, defendeu, esses dias, a tese de doutoramento dela...”

Com a atenção ao meu steak, as duas não davam fôlego à conversa. “Passei na minha personal, semana passada. Engordei um quilo. Ela me deu uma bronca. Mas eu expliquei: natal, Ano-Novo... Natural aumentar uns gramas.” Pensei comigo mesmo: faz dois meses que acabaram as festas, que desculpa mais esfarrapada! A mulher prosseguiu: “Ainda bem que não fui ao endócrino, ele ia me matar! Mas perco rapidinho esse quilo!”

Para não perderem o lugar, a senhora que mais ouvia do que falava, incumbiu-se de ir pegar o almoço das duas. Filé de frango, acompanhado de uma saladinha para uma e para a senhora que, sem problema nenhum, perderia mil gramas de peso, um hambúrguer, com batata frita e coca—cola. Ham? Como assim? Hamburguer? Incrivelmente esse foi o almoço dela. Emagrecer, acredito que nem a consciência dela vai!
imagem: alimentacaoviva.blogspot.com

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A Pérola Negra da Madá


“Meu batuque faz a Vila Madalena despertar
A comunidade abraçou
Pérola Negra, o meu grande amor”


Durante semanas, o trecho do enredo da escola de samba da Pérola Negra impregnou em meus ouvidos incontrolavelmente. Em janeiro de 2009, lá estava eu na Vila Madalena, pela primeira vez no bairro e no ensaio de uma escola de samba. Enfrentamos uma singela fila –sem nenhuma ironia – para a aquisição do ingresso no valor de R$ 3. Eu e mais três amigos, adentramos o ensaio. Muito batuque, gente bonita, animação. O ensaio era festa.

Não tardou muito para surgir, deslumbrante Juliana Alves, rainha de bateria da escola naquele ano. Após esbanjar beleza e simpatia, atenção aos repórteres da Rede Globo e Rede TV!

Atrevi a testar alguns passos, impossível não mexer o esqueleto com toda aquela áurea de encantamento, com a vibração de toda aquela gente amante do Carnaval. O suor escorria pelo rosto de tantos ali, as camisas encharcadas conseguiam me mostrar somente uma coisa: a sedução pela Pérola Negra.
Jesus Joseph e Ântoni, meus amigos, ensaiavam os passos que seriam efetuados no sambódromo. Joseph já havia participado de outros carnavais – até na Gaviões da Fiel ele foi parar. Enquanto para Ântoni, tiraria sua virgindade da pista de um sambódromo. Com as fantasias devidamente compradas, restava-lhes somente se encantar com toda a magia do desfile. Com a arquibancada lotada de amantes do Carnaval paulista.

Em poucos minutos, através do ininterrupto samba-enredo tocar, cantarola as estrofes da música como se por ali já tivesse passado outras vezes. A verdade, é que a Pérola Negra da Madá ofuscou todo seu brilho a alguém que nunca havia vivenciado o amor incondicional daqueles que não parecem ser enfeitiçados com a beleza carnavalesca.

Com horário marcado para o fim do ensaio, a Pérola Negra abriu os portões. Percorremos a rua onde que está localizada a quadra da escola. Prestes a pontar a meia-noite, a Rua Girassol se abriu para todos, iluminando a noite da Pérola Negra, que reluz não somente no Carnaval, mas em todos aqueles que se sentem ofuscados pelo brilho e amor à escola de samba. Entre anônimos e famosos, amadores e sambistas profissionais, uma coisa não havia distinção: o amor ao batuque da Pérola Negra na Vila Madalena, cantado com a voz do coração: "Meu batuque faz a Vila Madalena despertar. A comunidade abraçou, Pérola Negra o meu grande amor."

Foto tirada no Carnaval 2009, no sambódromo do Anhembi. Da esquerda para a direita, Ântoni Angelo César Saldan e Jesus Joseph Gonzaga


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Conheça-me melhor

Recebi do blogueiro e xará de sobrenome, Tiêgo Alencar, o desafio de falar um pouco mais sobre minha pessoa. Como todas as vidas nas crônicas abordadas no meu blog, direta e indiretamente falam sobre mim, vamos então ao raio-x completo.


PERFIL
Nome: Vagner de Alencar Silva
Idade: 23 anos
Aniversário: 29 de março
Emprego: Estágio numa editora de revistas costumizadas
Estado Civil: solteiro
Onde vive (casa ou apartamento): casa
Irmãos: quatro, uma de 19 anos, outro de 15 e os gêmeos de 12
Animais: nenhum
Fuma: não
Bebe: sim, sempre quando possível

APARÊNCIA
Piercings: não
Tatuagens: não
Aparelho nos dentes: não
Roupas: camisas gola polo e gola V, calças jeans básicas
Cor dos olhos: castanho escuro
Cor dos cabelos: castanho escuro

FAVORITOS
Cor: verde
Número: 29
Animal: cão
Flor: rosa
Comida: lasanha
Sabor de sorvete: de frutas cítricas
Doce: mousse de limão
Bebida alcoólica: cerveja
Tipo de música: MPB, pop
Banda/Artista: Roupa Nova/ Marisa Monte
Música: Feliz, Leila Pinheiro
Livro: A caçador de pipas
Filme: O Talentoso Ripley
Programa de TV: Provocações
Melhor amigo: Não tenho
Dia da semana: Sexta-feira
Esporte: não faço nenhum, mas curto, às vezes, assistir vôlei e futebol

VIDA AMOROSA
Nome da pessoa amada: Solteiro

OUTROS
Sabe dirigir? Não
Tem carro/moto? Não
Fala outra língua? Sim, inglês marromenos
Coleciona algo? Não
Fala sozinho? Sim, bastante
Se arrepende de alguma coisa? Algumas
Religião? Acho que católica
Confia nas pessoas facilmente? Não
Perdoa facilmente? Não
Se dá bem com os seus pais? Com minha mãe, sim. Meu pai, indiferentemente
Desejo antes de morrer? Ter conseguido as titulações que tanto almejo
Maior medo: nenhum específico ao qual me lembre
Maior fraqueza: me sentir impotente muitas vezes
Toca algum instrumento? Nenhum

ALGUMA VEZ...
Escreveu alguma poesia? Sim, nos tempos em que não conhecia as crônicas
Cantou em público? Não
Fez alguma performance em palco? Sim, na época de teatro na 5ª série
Andou de patins? Sim, quando tinha 11 anos
Teve alguma experiência que quase morreu? Quase cai duma cachoeira, aos 10 anos
Sorriu sem razão? Sempre
Riu tanto que quase chorou? Sim, quando conheci a Gláucia, a rainha da riso
Como você está se sentindo hoje? Feliz
O que te faz feliz? Papos verdadeiros
Com que roupa está agora? Camisa gola V branca e bermuda verde
Cabelo: baixinho de tesoura, máquina 2 dos lados
Brincos: não
Algo que você faça muito: ler e escrever
Conhece alguém que faça aniversário no mesmo dia que você? Uma prima de 2º grau. Uma ex-colega de classe
Está confortável com o teu peso? Não, gostaria de ter ao menos uns 15 quilos a mais

ACABE A FRASE:
Eu gostaria de ser... ter não ter perdido minha mãe
Eu desejo... ser feliz
Muitas pessoas não sabem... que eu sou sincero, e não cínico
Eu sou... Besta e sincero
E o meu coração é... tão grandioso quanto minha bondade.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A Vila de Adelaide

ilustração: Thiago Calle


A segunda vez que pisei meus pés baianos na Vila Madalena (veja aqui a primeira) foi por causa de uma carioca de 63 anos. Calma. Deixe-me explicar melhor tudo isso. Em fevereiro de 2010, conheci Adelaide, uma fluminense baixinha, de cabelos aloirados, tão luminosos quanto seu carisma. Adelaide me recepcionou com um café “carioquinha”, assim que adentrei seu apartamento, na Rua Harmonia. “Dá pra beber?”, perguntou ela. “Dá, sim!”, respondi; completando: “Mais um tiquinho de pó cairia perfeitamente bem, mas como sou baiano e você é carioca, é claro nossos “estilos” de café” também são distintos. Sorrimos, e devidamente nos apresentamos.

Adelaide estava à procura de um professor de inglês. Queria preencher o tempo ocioso, depois que foi dispensada do trabalho em que estava há mais de vinte anos. Eu precisava de uma ocupação rentável, pois sem emprego há um longo período, vivia de bicos.

Depois de casar e ter uma filha, Adelaide veio parar em São Paulo. Nunca perdeu o sotaque, mas ganhou, à primeira vista, paixão imediata pela Vila. Na Rua Harmonia encontrou o sossego, no alto do seu apartamento viu os demais prédios ganharem dimensão. Logo arranjou ocupação, nada distante dali, no terceiro prédio, à esquerda, do qual morava. A administração da vida foi o requisito necessário para tomar conta da burocracia de um edifício. Almoçava no próprio lar, com a única filha, que trabalhava no prédio em frente.

Adelaide conhecia a Vila Madalena como palma da mão. Com o corsa vinho cortavas as ruelas do bairro. Saia da Harmonia, cruzando a Fradique Coutinho até estacionar na Pedroso de Morais e, por fim, indo parar na Fenac, onde me pegava todas as quartas e sextas-feiras.

Neste mês, completa um ano que conheci Adelaide. A amiga de uma amiga minha disse para Adelaide que eu dava aulas particulares. As aulas duraram um mês, pois Adelaide depois de muito planejar, resolveu voltar pro Rio, após longos anos na Vila. O apartamento estava grande demais para ela por causa da morte do marido. Adelaide recebia aposentadoria falecido, mais o aluguel do apê poderia viver tranquilamente bem. A filha estava ocupada demais com os negócios. No Rio, estaria mais próximos das irmãs.

Adelaide revelou ter somente uma certeza – além de dizer que o café continuaria sendo o carioquinha –, de que todo ano voltaria à Vila, para matar a saudade do lugar que acolheu, sem nada em troca, a carioca apaixonada pelos encantos da Vila. E não careceu nenhum curso de idioma para que ela muito bem declarasse que “I love Vila Madalena”.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Escola Municipal Rui Barbosa

No dia 23 de fevereiro de 1992, a Escola Municipal Rui Barbosa foi inaugurada, no povoado Cavada 2, em Barra do Choça, Bahia.


Por ali, meus tios e tias soletraram as primeiras sílabas e rascunharam seus nomes. Meus irmãos, décadas depois aprenderam a ler. Eu, em 2005, adentrei essa escola para tornar-me professor. Enquanto outros professores deslocaram-se de outras bandas para ensinar. Muitos viveram no quartinho, na lateral esquerda.



Durante dois anos (2005-2006) lecionei para uma turma de jovens e adultos (EJA). Bruno, 14 anos, naquele ano, era meu aluno mais novo, e cursava a 2ª série do ensino fundamental. Seu Joaquim e dona Adelita, passavam dos 60, estavam ali para juntar as sílabas e tirar a venda dos olhos, pois queriam encontrar a luz no mundo das letras, que para eles, ainda era tristemente obscuro. Aprenderam a assinar o nome e a orgulhar-se ainda mais de si mesmos, por não precisar sujar os dedos. Gilmar, cursava a 4ª série. Não faltava nenhum dia. Com o caderno na mão e o lápis no bolso, lá estava ele, às vezes, me aguardando abrir a porta.

Ninguém me chamava de professor. Dispensei formalidades, também. Seria complicado para eles, tratar por professor o moleque que viram crescer andando para cima e para baixo. Aos 18 anos de idade, confesso que aprendi mais do que ensinei, e que esta foi, sem dúvidas, a experiência mais fantástica que vivi. Como foi dito, no post Lição de casa, fui irmão, amigo e um jovem professor imerso a uma lição mútua de aprendizado.

* As fotos acima foram tiradas em janeiro de 2011, durante minhas férias na Bahia, após três anos longe da terrinha.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

As marcas de Marcos

Marcos de 2000

Marcos era um homem bonito, no alto de vinte e poucos anos tinha músculos definidos pelo trabalho braçal da roça, ultrapassava 1,80m de altura e vivia encarapitado em sua moto anos 80. Pegava dezenas meninas dos arredores – até algumas professoras caíram na lábia do rapaz. Com uma língua afiada, ele destilava elogios e fazia amizades com a mesma destreza em que dominava os cavalos e mulas. Largava de lado a motoca e optava pela presença de um quadrúpede, quando debandava pelas estradas de chão. Marcos é sobrinho de Nega e Luzia.

Trombei com ele na 5ª série do ensino fundamental, quando estudamos no C.E.B.C (Centro Educacional de Barra Nova). Assim que eu adentrava o ônibus, que nos encaminhava diariamente à escola, ele lá estava. Marcos apiava sempre antes de mim, pois morava na Alegria (povoado há 3 quilômetros da Cavada 2), um lugar encravado em meio a boqueirões.

Fazíamos parte da mesma equipe escolar e do mesmo grupo de resenhas. Aos finais de semana, ele encostava a moto defronte ao extinto “Bar e Mercearia Nova Geração”, onde eu e minha mãe exercíamos nossas aptidões (se é que tínhamos) nos negócios.
O trajeto escolar de Marcos teve a 8ª série como terminal. Viajei para São Paulo. Ele ficou. Guardei carinhosamente as cartas dos tempos de escola.

Marcos de 2010

Janeiro de 2011 - Marcos estava amparado numa cadeira, num bar próximo a sua casa. Não conseguia segurar o próprio peso do corpo, quando o que mais pesava, assim que notou minha presença, foi sua consciência. Tardou alguns segundos precisar que era, tempos depois, ali a sua frente, naquela antevéspera de Ano-Novo.

“Vagner, tudo bem?”, esticando a mão trêmula em minha direção. Apertamos, não com a mesmo vigor que outrora, quando Marcos fazia questão de estalar o dedão e o indicador, como que um cumprimento padrão. Retrucar a pergunta dele seria, no mínimo, mais constrangedor para ambos. A obviedade da situação era clara. Ele prosseguiu na breve interrogação sobre mim. Olhei fixamente nos olhos dele, procurando encontrar o Marcos de antigamente, por detrás daquela expressão de consternação. Suas mãos pareciam não obedecer aos seus comandos. As palavras arrotavam de sua boca, com cheiro de redenção. Esparramado em uma cadeira, mostrava as pernas compridas por meio de um short que não iam além dos joelhos. A camiseta folgada estampava a ausência da massa muscular que antes explodia de seu peito. Marcos estava magro, debruçado pelo vício que assolava, mais do que a estética que se decompunha com o decorrer dos anos.

Marcos sentenciou aquela noite com a frase que, como noda de jaca, vagarosa desprende da roupa, talvez jamais desgrude da lembrança. Arrancando os resquícios de sobriedade que lhe restavam, ele disparou, olhando dentro dos meus olhos: “ Tô com vergonha de você!”

Conheço muitos por ali que dividem a austeridade de suas vidas, escapando da realidade com o dissabor das águas ardentes. Embrutecer ou entorpecer, como classificar situação de Marcos? Se é que seja necessário compreender suas razões. Rumores apontavam que ele passava por complicações, ninguém exatamente quais seriam, pois nunca foi revelado. Será que não é possível viver a seco, num mundo, muitas vezes, tão encharcado de problemas? Para Marcos t
alvez tenha encontrado na bebida o refúgio, a saída para escapar da realidade, que na sobriedade decerto não conseguiria lidar.

*A carta, na imagem acima, foi enviada a mim por Marcos, quando estudávamos a 6ª série do ensino fundamental, em 26 de outubro de 2001. Prestes a me mudar para São Paulo, nas linhas, ele revela a admiração e carinho por nossa amizade.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Duas irmãs e um vício - Mulheres da Cavada

Nega e Luzia

Nega e Luzia são tias maternas de Marcos, duas irmãs icônicas que vivem na Cavada I. Ambas largaram os maridos para viver outra paixão – o alcoolismo. Nega, alcunha de Angélica Evangelista de Souza, vive sozinha na casa onde a mãe, dona Zinha, foi sepultada no quintal. Na minha tenra infância sentia muito medo de dona Zinha. Fosse sol ou chuva, saía ela, enrolada num cobertor, perambulando em toda parte. Nega não nega o vício, e hoje tenta driblá-lo tão habilidosamente quanto Justino, seu filho, que no campo de futebol cortava os adversários com a bola, quando nas horas em que não dirigia um dos únicos ônibus que transportava os moradores à Vitória da Conquista.

Luzia parece seguir o destino da mãe. Vaga pelas estradas onde mora, sempre com sua principal arma a punho – um pedaço razoavelmente grande de madeira. Os principais vilões: os malvados cães. Defende a si mesma de tantos caninos livres – em média três por casa –, enquanto rende-se ao dissabor da aguardente. A cachaça pinga em suas entranhas como uma espécie de combustível. Com uma única golada, saciava aquela que parecia ser uma sede inevitável. Viúva, e com uma filha que não pode minimamente criar, ela cantarola as músicas que compõem durante seus devaneios, conversa com outros que nunca sabemos quem são.

Luzia já passou dos quarenta. Nunca a vi trajada de calças e sem o inseparável pano que cobre os cabelos crespos. Com suas insubstituíveis saias de seda e blusinhas de alça, parece viver num eterno passeio, farejando mais do que pingas puras ou temperadas, mas o tempero da própria sobriedade.

Numa tarde que antecedia a virada do ano de 2010, deparo-me com as duas na casa de Eliene, minha tia materna. Foi-me revelado por ela que a família desistiu de internar Luiza numa clínica psquiátrica, após algumas tentativas de fuga. Ela enterrava os remédios que lhe foram recomendados e, vez ou outra, ameaça bater nos sobrinhos. Enquanto isso, Nega ainda biliscava alguns copos de cachaça bares afora. Ficava dias na casa da nora, ajudando Eliane. Qualquer momento de recaída, curava na própria casa a rassaca.

Despedi-me de Nega, pedindo-lhe sua bênção. Recebi o "Deus te dê boa sorte, meu filho!". Luzia, mandou lembranças aos meus irmãos e perguntou quando eu retornarei a Bahia. "Brevemente Luzia, brevemente..."


*A imagem acima foi feita em 28 de dezembro de 2010. Luzia e Nega assistem ao programa Chaves, na casa de Eliene, esposa do filho de Nega. Veja outras imagens das irmãs no álbum "Vida em Crônicas, no Picasa.