Marcos de 2000
Marcos era um homem bonito, no alto de vinte e poucos anos tinha músculos definidos pelo trabalho braçal da roça, ultrapassava 1,80m de altura e vivia encarapitado em sua moto anos 80. Pegava dezenas meninas dos arredores – até algumas professoras caíram na lábia do rapaz. Com uma língua afiada, ele destilava elogios e fazia amizades com a mesma destreza em que dominava os cavalos e mulas. Largava de lado a motoca e optava pela presença de um quadrúpede, quando debandava pelas estradas de chão. Marcos é sobrinho de Nega e Luzia.
Trombei com ele na 5ª série do ensino fundamental, quando estudamos no C.E.B.C (Centro Educacional de Barra Nova). Assim que eu adentrava o ônibus, que nos encaminhava diariamente à escola, ele lá estava. Marcos apiava sempre antes de mim, pois morava na Alegria (povoado há 3 quilômetros da Cavada 2), um lugar encravado em meio a boqueirões.
Fazíamos parte da mesma equipe escolar e do mesmo grupo de resenhas. Aos finais de semana, ele encostava a moto defronte ao extinto “Bar e Mercearia Nova Geração”, onde eu e minha mãe exercíamos nossas aptidões (se é que tínhamos) nos negócios.
O trajeto escolar de Marcos teve a 8ª série como terminal. Viajei para São Paulo. Ele ficou. Guardei carinhosamente as cartas dos tempos de escola.
Marcos de 2010
Janeiro de 2011 - Marcos estava amparado numa cadeira, num bar próximo a sua casa. Não conseguia segurar o próprio peso do corpo, quando o que mais pesava, assim que notou minha presença, foi sua consciência. Tardou alguns segundos precisar que era, tempos depois, ali a sua frente, naquela antevéspera de Ano-Novo.
“Vagner, tudo bem?”, esticando a mão trêmula em minha direção. Apertamos, não com a mesmo vigor que outrora, quando Marcos fazia questão de estalar o dedão e o indicador, como que um cumprimento padrão. Retrucar a pergunta dele seria, no mínimo, mais constrangedor para ambos. A obviedade da situação era clara. Ele prosseguiu na breve interrogação sobre mim. Olhei fixamente nos olhos dele, procurando encontrar o Marcos de antigamente, por detrás daquela expressão de consternação. Suas mãos pareciam não obedecer aos seus comandos. As palavras arrotavam de sua boca, com cheiro de redenção. Esparramado em uma cadeira, mostrava as pernas compridas por meio de um short que não iam além dos joelhos. A camiseta folgada estampava a ausência da massa muscular que antes explodia de seu peito. Marcos estava magro, debruçado pelo vício que assolava, mais do que a estética que se decompunha com o decorrer dos anos.
Marcos sentenciou aquela noite com a frase que, como noda de jaca, vagarosa desprende da roupa, talvez jamais desgrude da lembrança. Arrancando os resquícios de sobriedade que lhe restavam, ele disparou, olhando dentro dos meus olhos: “ Tô com vergonha de você!”
Conheço muitos por ali que dividem a austeridade de suas vidas, escapando da realidade com o dissabor das águas ardentes. Embrutecer ou entorpecer, como classificar situação de Marcos? Se é que seja necessário compreender suas razões. Rumores apontavam que ele passava por complicações, ninguém exatamente quais seriam, pois nunca foi revelado. Será que não é possível viver a seco, num mundo, muitas vezes, tão encharcado de problemas? Para Marcos t
alvez tenha encontrado na bebida o refúgio, a saída para escapar da realidade, que na sobriedade decerto não conseguiria lidar.
*A carta, na imagem acima, foi enviada a mim por Marcos, quando estudávamos a 6ª série do ensino fundamental, em 26 de outubro de 2001. Prestes a me mudar para São Paulo, nas linhas, ele revela a admiração e carinho por nossa amizade.
2 comentários:
Comovente. E embora haja uma profunda tristeza nas entrelinhas ou um sentimento que nos faz perceber e sentir o tempo, há uma imensa beleza em suas palavras. Quase uma tentativa de compreender para não julgar e valorizar a lembrança boa.
Oi Luisa, realmente foi isso: uma tentativa de não julgar. Quem sou eu para julgá-lo, ou melhor, quem somos nós? Ainda quero fazer outra crônica, uma continuidade sobre esse assunto: as revelações de Marcos. Beijo, Vagner.
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