premiação no teatro TUCA, 24/10/2011 |
Estava sentado no colchão estirado no chão no quartinho que
antes era uma lavandeira, quando recebi a chamada da Denise. Cabreiro, como que preocupado com qualquer outra coisa,
menos com a ligação de minha professora e orientadora do TCC, às onze horas da
noite de uma quinta-feira, eu atendo a ligação.
- Alô, Vagner! – simultaneamente ela exclama e interroga – Pode falar?. Respondo que sim, enquanto milhões de pontos de interrogações parecem brigar
dentro da imaginação. Sua voz meio que cambaleando nas palavras que viriam a seguir,
saem com a respiração visivelmente ofegante. – Parabéns, você é um dos
vencedores do Prêmio Jovem Jornalista!!!
- Verdade, Denise? – repeti ao menos uma meia dúzia de vezes
essa indagação, seguidas de outras dezenas de "Não acredito!". Ela, que ponderou sua resposta, disse ainda não ter certeza,
mas que tudo indicava que sim, ao menos, e principalmente, a página do concurso.
- Não acredito! – com a voz cortando o choro eminente, eu declarava – Nossa, Denise, não acredito que eu ganhei o Herzog! Ela aproveitou para
soltar um “nem eu”. Outros parabéns vieram. Ela dizia estar tremendo. Eu estava completamente extasiado.
- Parabéns, Vagner! – ela prosseguiu. Sem saber se chorar de vez,
explodir de sorrir de tanta emoção, o obrigado
foi o dito.
Assim que desligamos o telefone, eu gritei. Chorando de tanta
felicidade, eu gritei novamente. Chorei assim como ainda me emociono ao lembrar especialmente daquela noite, e também agora enquanto escrevo essa crônica.
Paraisópolis, que há pelo menos 16 anos faz parte da minha vida, decerto não poderia deixar de ser o eixo fundamental que une a premiação ao premiado. E ela foi pano de fundo para o projeto de
reportagem que me tornou, em parceria com minha colega de faculdade, Bruna, a
vencer o concurso. Detentora do título de segunda maior favela de São Paulo,
além de ter as duas piores escolas de ensino fundamental de todo o Estado, a pauta
que devia relacionar-se com uma das oito metas do milênio teve como mote o
questionamento: “educação para quê? Os universos educativos desperdiçados em
Paraisópolis”.
A grande orientadora, Denise Paiero, e seus orientandos Bruna e eu |
Inaugurada há mais de um ano, a Etec Paraisópolis sequer
consegue formar uma turma de 40 alunos em seus cinco cursos oferecidos
semestralmente. Enquanto, segundo último resultado do Enem, as melhores escolas
públicas de São Paulo são as que oferecem o ensino técnico. E em meio a esse
porquê e a fim de identificar e transformar essa realidade, nos propomos (e
iremos fazer como prêmio) uma grande reportagem sobre o assunto.
Em setembro deste ano, fui ao Paraguai. Foi minha primeira
viagem para fora do país. Ou melhor, foi minha primeira viagem fora da rota BA-SP. Meu irmão me pediu
para lhe trazer um MP3. Outros amigos, algumas bugigangas. Trouxe a
quebra do estereótipo daquele país de pessoas absurdamente simpáticas e a felicidade por ter viajado ao desconhecido. Foram cinco dias. No congresso que participei e na exposição a qual ajudei a organizar, confesso, foi uma das maiores experiências profissionais.
E exatamente um mês depois desse dia que considerei um marco
na carreira, ainda como estagiário, ei-me no palco da maior premiação
jornalística do país, para receber o certificado do prêmio que certamente é sonhado por qualquer estudante de jornalismo.
Nos poucos minutos após a declaração da
Denise, naquela quinta-feira, me transportei a um passado recente. Flashs-back passavam diante de mim, enquanto ela procurava a página
web do concurso para me enviar. Definitivamente era como se eu não precisasse terminar a
faculdade para escrever sobre esses 4 anos de jornalismo. Mas ali permeado àquele anúncio me entreguei a uma sucessão de conquistas, e aquela era especialmente uma das mais belas.
Bruna Christina e eu, os premiados |
Eu chorei. Chorei com uma emoção que não pude, talvez ainda não possa mensurar. E por dentro de mim eu gritava, soltava rojões,
pensava na minha mãe, lembrava da Bahia, das dificuldades que passei em São
Paulo, dos estágios que percorri durante esses sete semestres de curso, no
sentido da profissão, no futuro que está por vir, no jornalista que eu
tenho me tornado e que poderei me tornar. Ganhei um importante concurso ainda como universitário. Mas essa não foi em si a maior conquista, e sim a certeza de que eu estava enfrentando - e vencendo - muitos monstros.
Aquela noite lembrei dos tempos de menino, quando insistia a
minha mãe para que fosse às reuniões do colégio a fim de me envaidecer pelos elogios certeiros
que receberia da professora.
Na cerimônia de premiação, no teatro TUCA, da PUC, a chuva que caiu aquela noite parecia me abençoar tão quanto o mesmo me fariam meus avós. Minha mãe não estava ali, talvez não estivesse por achar que seria um evento
muito grã fino para uma pessoa simples como ela. Mas saberia de seu orgulhoso, embora sua ausência.
Recordo-me de minha 5ª série no ensino fundamental, quando fui
selecionado para um curso de informática. Fui escolhido entre as cinco turmas,
que partia da nomenclatura A até a E. Eu era da E. Foi lisonjeado pela seleção.
Na noite do dia 24, foi a vez de ganhar o prêmio não menos
importante do que a caixa de lápis de cor no pré-escolar, pelo desenho mais
bonito da sala, em São Paulo. Ou o mosaico que mais chamou atenção na 6ª série,
na Bahia. Recordei-me também da bolsa de estudos integral do Mackenzie, da bolsa do PIBIC, com a Iniciação Científica, da apresentação no Intercom por causa do artigo realizado, da migração entre os quatro estágios... Enfim, das pequenas coisas que me renderam grandes conquistas.
O prêmio Jovem Jornalista, do Instituto Vladimir Herzog, me
traz como premiação a certeza de que posso continuar com minha caminhada, mesmo que muitas vezes ainda caminho com pés descalços ao longo diante de muitos obstáculos que apontam.
As três duplas premiadas |
“Quem diria, Vagner de Alencar saiu de Barra do Choça e
chegou aonde chegou”, em toda a oportunidade que lhe cabe, anuncia meu amigo
Edy, em suas mensagens carinhosas ainda diz ser meu fã. Sempre retruco, perguntando
se eu havia me tornado artista para ter fãs.
As lágrimas de minha amiga Mayara ao Skype, me fizeram ser expectador de mim mesmo para perceber de fato aonde eu havia chegado. "Meu, não aguentei quando falei para minha mãe. Tô chorando aqui", revelou. E choramos juntos, revivendo nossos trajetos tão similares. Dos viventes da periferia que sabem que podem alcançar o mundo fora daquele que ainda é visto como marginal. Seu email ao grupo do Mural, depois de todos do blog ficarem sabendo por meio de uma das integrantes sobre o prêmio, me encheu de mais lágrimas: "Sim gente. Ganhou! Parabéns Vagner! Eu sei o quanto você se empenha e tanto de dificuldade que enfrenta. Isso é resultado de muito trabalho e amor pelo que você faz. Já disse várias vezes que sou sua fã né? É só uma das muitas conquista que ainda virão! Parabéns!"
Além de amiga, minha fã? Se pudesse ter feito algum discurso no dia da premiação, teria dito: “Dedico esse prêmio à dedicação e orientação da Denise, à parceira com a Bruna, à minha família, aos meus
amigos de trabalho que aqui estão, e especialmente à minha mãe, que lá de cima,
com certeza nesse momento está dizendo ‘Parabéns, meu filho, estou muito orgulhosa de você!”