domingo, 3 de julho de 2011

E ela

Conheci Hielly nos corredores do Colégio Estadual Dária Viana de Queiróz, a única escola de ensino médio que havia em Barra do Choça (BA), até pouco tempo atrás. Estudávamos a mesma série, mas em salas diferentes. Precoce, ela havia terminado o ensino fundamental dois anos antes do previsto.



Com os cabelos cacheados quase sempre presos por um boné, vivia encarapitada em motos, carros e cavalos. Eu desconhecia alguém que não conhecesse Hielly. Era figura garantida nas festas da cidade e também dos outros municípios. Fazia amizades com a mesma facilidade com que distribuía sorrisos e cumprimentos aos habitantes de Barra do Choça.

Em 2006, viajamos a Lençóis, na Chapada Diamantina. No ano de conclusão do ensino médio, fomos comemorar entre o Morro do Pai Inácio e as inúmeras belezas naturais da cidade baiana, os festejos em concluir mais uma etapa escolar. Ficamos praticamente chapados na Chapada. Entre cachoeiras e trilhas de mais de duas horas de caminhada, eu e Hielly deixamos de ser colegas de escola para nos tornamos amigos.

Ano seguinte, estávamos morando juntos, em São Paulo. Assim que me arranjei profissionalmente na cidade grande, ao conseguir trampo como atendente num trailer na Feira da Madrugada, no Brás. Hielly veio às pressas, assim que consegui uma vaga para ela no estabelecimento. Já maior de idade, em menos de três dias, ela havia deixado a Bahia para se aventurar em São Paulo.
Durante quase um ano, dividimos o mesmo cômodo. Na casa alugada, Hielly dormia no colchão no chão e eu e meu tio paterno nos ajeitávamos no beliche. Acordamos às 2 horas da madrugada por todos esses meses para garantir os R$ 400 que nos eram pagos no Café do Trilho.

Bebemos e dançamos juntos em baladas e festas de amigos e parentes. Dormimos no mesmo colchão no chão, quando algum hóspede aparecia em nossa casa de um cômodo. Íamos juntos ao supermercado, à feira, à casa dos meus parentes e aos amigos em comum que fizemos. Também choramos juntos o dia em que Hielly decidiu voltar à Bahia. Mas a choradeira foi depois de irmos à 25 de março fazer compras aos seus irmãos.

E ela se foi, deixando a saudade de uma amizade que foi solidificada nas dificuldades, mas sobretudo, pela certeza – ao menos naquele momento – que nossa amizade poderia ser eterna.

A Bahia mais uma vez havia ficado pequena para Hielly. E ela voltou a São Paulo. Havia arranjado emprego com uma tia. E, mais uma vez, tentaria a sorte na cidade. Um abraço forte marcou nosso reencontro. Nos elogiamos quase que simultaneamente. Ela estava mais magra, bonita.

Havia aposentado o boné e os cabelos estavam escovados. Ela própria fez questão de pagar as cervejas com as quais brindamos seu retorno, celebrando as próximas que (acreditei) poderem vir.

E ela desapareceu como se tivesse se bandeado para outro país. Poderia dizer que tomou chá de sumiço, mas a expressão é tão hilária para exemplificar um assunto tão sério como esse. E ela simplesmente não deu sinal de vida, há mais de um ano, como se as lembranças e os momentos que vivemos, ou as declarações de amizade eterna fosse descartáveis.


Ela estava morando na zona leste de São Paulo e eu na sul, apenas disso eu sabia. No visor do meu celular nunca mais apareceu o nome Hielly e sua presença na internet tornou-se cada vez mais escassa. E ela se foi sem deixar explicações, me fazendo desconfiar qual o prazo de validade de nossa amizade.
De Hielly ficou somente o trocadilho "e ela?"

2 comentários:

Wadila de Alencar disse...

Nossa, essa última foto resumiu todo o texto. Até dei risada! kkk

Ficou ótimo a crônica, e me fez refletir que tudo na vida tem um prazo de validade. Muitos são na morte e outros no esquecimento.

Naanda disse...

uma figura essa Hielly , adooro ela.Mora aqui onde eu moro tambem