segunda-feira, 18 de julho de 2011

Dividindo a mesma sala

Camilo tem 10 anos. Estuda a quarta série do ensino primário. Senta-se diariamente ao lado do amigo Rodrigo; mesma idade que ele e uma série atrás.

Na mesma sala, Patrícia, 7, entrou pela primeira vez na escola em 2010. Aplicada, a menina compete o título de “a garota mais arrumadinha da sala” com Jéssica, um ano mais velha que a amiga.

Juscileide Souza é a professora, formada em magistério. Chama a atenção dos garotos, às vezes dividindo a bronca com as meninas, que tagarelam alto sobre cores de lápis, sandálias e “xuxinhas”.

Todos compartilham o mesmo espaço, a mesma lousa, as mesmas cores que dividem a metade da parede em azul e branco da sala multisseriada. Há quase vinte anos, a Escola Municipal Rui Barbosa foi inaugurada, no povoado Cavada II, em Barra do Choça (BA).

Por ali, meus parentes e conhecidos– aqueles que conseguiram dar uma trégua à enxada para treinar a coordenação motora– conseguiram equilibrar também o lápis nos dedos calejados. Soletraram as primeiras sílabas e rascunharam seus nomes. Eu e meus irmãos, anos depois, aprendemos ler e escrever.

Tempos adiante, adentrei a mesma escola no início de toda noitinha, para sentar à frente de vinte adultos. Além de estudante de ensino médio, no período matutino, às noites me eram reservadas para um novo ofício. Tornei-me professor.Muito antes do transporte público apontar na região, o então professor dessa mesma escola vivia no quartinho. Janete foi a pioneira.

Lecionei para uma turma de jovens e adultos – o popular EJA –, depois de um ano antes atuar num Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos, no povoado Oito Paus, há três quilômetros dali.

Bruno, 14 anos, na época, era o aluno mais novo; cursava a 2ª série. Seu Joaquim e dona Adelita passavam dos 60. Mantinham o sonho de juntar as sílabas e tirar a venda dos olhos, pois queriam através da leitura encontrar a luz num mundo ainda obscuro para eles. Aprenderam a assinar o nome e a orgulhar-se ainda mais de si mesmos por não precisar sujar os dedos quando lhe pedissem uma assinatura.

Gilmar era o aluno mais adiantado; cursava a 4ª série e era o mais frequente. Com o caderno na mão e o lápis no bolso, lá estava ele, às vezes mais adiantado que o próprio professor, me aguardando à frente da escola.

Ninguém me chamava de professor. Dispensei formalidades também. Seria complicado para eles tratar dessa forma o moleque que viram crescer, andando para cima e para baixo.

Aos 18 anos de idade, aprendi muito mais do que ensinei, e que esta foi, sem dúvidas, a experiência mais fantástica que vivi pessoal e profissionalmente falando. Fui irmão, amigo e um jovem professor imerso em uma lição mútua de aprendizado.

Imagens: Povoado Cavada II (BA), janeiro de 2011

Um comentário:

Tiêgo R. Alencar disse...

Você só me deu ainda mais força para seguir o caminho de professor com esse texto. Sério, posso ter uma noção do quanto você deve ter ficado feliz sendo professor por esse tempo todo, transformando a vida de muitas dessas pessoas e acrescentando à elas um toque de conhecimento a mais que todo mundo deve receber. Mágico!

Abraço, man! :)