Por Vagner de Alencar (escrito ao Blog Mural da Folha.com)
“Alegria só no nome”. Com humor, Anderson Viana Souza, 22, brinca com a designação do endereço onde mora. O baiano chegou a Paraisópolis em setembro do ano passado com a filha pequena e a jovem esposa. Divide com os cunhados a casa minúscula, de três cômodos e um banheiro.
Em São Paulo, arranjar emprego não foi tão difícil quanto ele imaginava, só não previa o sufoco em comprovar residência fixa. “Rapaz, para provar endereço assim que tentei abrir a conta-salário é que foi complicado”, afirma.
O jovem protagoniza uma realidade comum a muitos moradores de periferias, que sentem na pele a dificuldade de viver literalmente, muitas vezes, num beco sem saída.
Viela da Alegria
A saga de Anderson para comprovar residência fixa para abrir uma conta no banco foi, no mínimo, cômica, para não dizer árdua. “Uns conhecidos me aconselharam enviar um telegrama para mim mesmo. Quando cheguei no posto dos correios, o atendente foi atencioso e disse que custava R$ 10. Falei o nome da rua, o CEP... Quando eu disse o número da casa, ele alegou que não conferia. Então, avisei que morava na viela da Alegria.”
A resposta recebida pelo jovem foi clara: “viela não existe para os Correios!”.
Anderson voltou para casa sem enviar o telegrama. Na agência bancária, segundo ele, não conseguiram informá-lo sobre os procedimentos necessários para sanar aquela situação. “Um morador de Paraisópolis me avisou que na Associação de Moradores era possível retirar uma declaração de residência para quem não conseguia comprovar. Fui lá, saí com o documento nas mãos e consegui abrir a conta”, revela.
Viela Francisco Clemente
É por meio da lojinha de artigos masculinos e femininos que Simone Ferreira da Silva, 32, sustenta os dois filhos e a sobrinha. “Se fosse na rua seria melhor, mas aqui também é bom, pois o fluxo de pessoas que passam para ir à escola é grande”, conta.
Há dois anos, a micro-empresária mantem o negócio na viela que interliga as principais vias de Paraisópolis: as ruas Herbert Spencer (a famosa “rua da feira”) e a Melchior Giola. “Aqui, eu pago R$ 300 de aluguel. Gasto mais R$ 300 com aluguel da casa onde moro, na rua debaixo, fora água e luz.”
No local há ainda, um mercadinho, um salão de cabeleireiro e um bar. “Se dá pra viver?! Dá, dá sim!”, revela Simone.
Viela Mário Covas
Um córrego corta a ruela com nome de político. Alguns barracos construídos sobre o esgoto partilham o mesmo espaço com as casas de alvenaria sem reboco. Crianças brincam no corredor estreito e famílias se reúnem na porta de casa.
Outros moradores não têm dificuldade para circular nos pequenos labirintos. Com habilidade de quem conhece o terreno onde pisa, carregam seus pertences na mão. O problema está no transporte de objetos maiores, como móveis e eletrodomésticos. “Meu vizinho teve que quebrar parte da escada para entrar com a cama box que ele comprou”, conta o morador Fábio Silva, 23.
Viela do Campo
É na quitanda de “seu” Manoel que Maria da Guia Evangelista, 32, sempre compra verduras e legumes. O córrego que passa atrás de sua casa também passa pela viela Mário Covas. “Moro aqui há muitos anos. Sempre foi muito barulhento. Ligam o som dos carros no último volume”, diz.
Alguns referem-se ao lugar com o diminutivo, embora a viela seja uma das extensões da comunidade. Prova disso é a quantidade de carros ou motos estacionados por ali. Amigos jogam baralho e crianças brincam com suas bicicletas no mesmo espaço.
Entre os becos e as vielas de Paraisópolis, os moradores vão tecendo suas histórias, ora em busca de comprovar sua residência (Anderson esperou 40 dias por um cartão de crédito), ora dizendo que é possível, sim, sair e entrar nesses pequenos labirintos sem uma Ariadne (da mitologia grega, que ajudou o amado a achar o caminho de volta pra casa) que os conduza (como acredita Simone).
Se algumas vielas e becos são esconderijo do tráfico, muitas delas unem as pessoas que, com suas vozes e histórias, usam de ruelas e esquinas para costurar a vida em Paraisópolis.