quinta-feira, 24 de março de 2011

Na cabeça de Oslênio


ilustração: Thiago Calle


AMOR DE MENINOS

Se houve uma música que Oslênio não podia ouvir de jeito nenhum era "Can't get you out of my head", de Kylie Minougue. Canção, sucesso na década de 90, tornou-se tema de sua história com Fernando. Mas engana-se quem acha que a batida refere-se ao romance do casal. Pelo contrário, pelo fim dele - na noite em que Oslênio encontrou o namorado atracado com outro numa balada.

Aos flashes do globo de luzes e do inesquecível hit da cantora australiana, Oslênio ficou atônito, ao ver à sua frente o homem com quem dividia a cama e seis anos de sua vida, aos beijos com outro.

Oslênio nasceu no Paraná, mas adotou a cidade de São Paulo como o melhor lugar para se viver, tanto que jamais saiu dela. Além de trocar a terra natal, mudou também o nome lhe fora dado por seus pais – prefere ser chamado de Bruno, porém nessa crônica será mencionado com nome de batismo.

No topo de seus vinte e poucos anos, em visita a casa de parentes, em Matão (cidade interiorana de São Paulo), cruzou o caminho de Fernando, um rapaz apresentável, tipicamente tímido de olhos grandes e boca carnuda.

O namoro teve início no mesmo cenário em que terminaram. O primeiro beijo dado pelo casal aconteceu numa boite. Os demais foram assim que o Oslênio trouxe o namorado, de mala e cuia, para morar na capital, onde passaram a dividir o mesmo teto. Na Barra Funda, zona oeste de São Paulo, firmaram moradia, e no mesmo local afundaram de vez o casamento. Tudo praticamente instantâneo. Os anos decorreram, à medida que o matrimônio parecia cada vez mais estável.

Como numa cena de novela, Oslênio cuspiu ao namorado a célebre frase: “retire imediatamente suas coisas de casa e suma da minha vida!”. Assim que adentrou o apartamento, nada de Fernando estava mais lá – melhor dizendo, o computador, pois esse era seu único pertence.

Como compreender o fim do relacionamento que parecia tão bem? Essa era a pergunta que martelava a cabeça do paranaense. Tanto que em um mês, emagreceu dez quilos e mudou de apartamento; não conseguia mais conviver com a presença do outro que ainda pertencia àquela atmosfera. Largou o emprego e quase a si mesmo.

Durante dois meses, Fernando estava se envolvendo com outro. Um jovem , sem as preocupações administrativas de casa, sem o compromisso de ter que pensar no aluguel, na conta de luz, sem a ressaca rotineira do trabalho e, ainda, mais importante, com a voracidade sexual que não estava mais à dianteira da relação...

O tesão acabou, no instante em que a atenção também foi extinta. Oslênio trabalhava às noites. O casal passou a não jantar no mesmo horário, não acordar juntos, não adormecer enquanto assistiam a um melodrama na TV de 42’ da sala.

Sem qualquer contato, o telefone de Oslênio tocou. Era Fernando. Embora a resistência, acabaram cedendo ao bate-papo. Estavam bem, responderam um ao outro. Bem ou mal, solteiros. Nas baladas com os amigos em comum, se reencontraram. Sem mágoas aparentes, mataram a saudade dos beijos de antigamente. Ficaram (e ficavam) de vez em quando (embora não se esquecessem que por meia dúzia de anos foram casados).

O contato não durou mais do que um semestre. Não assinaram nenhum documento, mas comprometeram-se e, convenientemente, concordaram que o distanciamento seria a melhor alternativa para ambos. Haviam regredido à relação. Eram mais amigos que amantes.

Oslênio garante que o amor acabou. Acredito que tenha apenas adormecido, pois retomar as lembranças é ainda ressuscitar sua história e, caso não quisesse rememorá-la, nem eu – tampouco você leitor – estaríamos chegando ao fim dessa crônica.

Veja também o texto "Cosme e dá-me homens", da série "amor de meninos".

Um comentário:

Yara Verônica Ferreira disse...

Entendo bem a situação desses 2. há amores que parecem ficar feito tatuagem na pele da gente, não saem com nada... o esquecimento parece uma cirurgia minuciosa que complicou! Mas, quem sabe um dia passa? Enquanto não passa, melhor deixar viver!