quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O amante


“Era a menina mais difícil da região”, disse ele com o peito estufado de orgulho. Decerto a mesma altivez como dos tempos em que saía às festas com os sobrinhos de mesma idade e com eles competia o flerte das meninas mais bonitas. Nesse caso, evidente, a garota de coração arredio da vez não vivia no mesmo perímetro em que ele. Afinal, seria complexa a tarefa de conquistar um coração de 22 anos caso a moçoila soubesse que seu galantear fosse casado há meia dúzia de anos, além de ser pai de um menino de cinco e de uma menina que dará seu primeiro choro assim que 2013 der o ar de sua graça. “Uma menina gata, pensa aí...”, narrou com gabo indisfarçável, como se a traição não tivesse o mínimo sequer de pesar. 



Os anos lhe deram alguns quilos a mais, sobretudo na circunferência abdominal. Mas a pança parece quase não lhe importar. Assim como o cabelo crespo clareado por algumas “luzes”, escondido por um boné surrado. Estar feio ou bonito também parece, no entanto, ser uma sentença frívola, uma vez que ele, no alto de seus 26 anos, pai-de-família, “pegou” a menina mais “difícil” do povoado com nome de água, da cidade vizinha a que mora.

Nem mesmo ele conseguia elencar como fora capaz de alcançar tamanha proeza. Tampouco eu. Mas conseguiu. E isso fora o bastante. Não porque duvidasse de suas habilidades de cortejo. “O casamento não estava bem?”, pensei. O que o levara a por um par de chifres na mãe de seus dois filhos, naquela mulher que sorri nos portarretratos pendurados na estante da sala de sua casa?

O matrimônio trouxe um quê de proibição que talvez carecesse. Ele, que na adolescência, tentara cortejar meninas com buquês de flores e caixas de bombons embelezadas de cartões apaixonados. Na verdade, elas sempre estiveram muito mais interessados num beijo roubado a um chocolate amargo. Mas disso ele nunca soube. Como agora então conseguira?

O título de amante lhe pertenceu por algumas semanas -- período em que durou a aventura amorosa -- depois que todos os envolvidos estiveram presentes em uma mesma cena. “Ele é casado!”, revelou a irmã do amante, assim que a irmã da traidora-sem-saber questionou seu paradeiro em uma festa onde, infelizmente ao adúltero, eles se encontravam.

Em sua casa, enquanto ele revigorava seus trunfos, a traída então chega. Grávida, a barriga parece estar prestes a explodir e rasgar o vestido florido quase se arrastando ao chão. Miúda, ela não inchou depois da gravidez. Os cabelos marrons carregam a mesma tonalidade das mulheres que se atracam na garupa duma motocicleta e que deixam para trás o preto depois de uma viagem sobre o chão de emana a poeira da mesma cor da barriguda. Ela é nova. Chegou aos 27, um ano mais velha que o marido. Diz ter chegado ao número-limite de herdeiros. Ao menos é o que garante, embora não tenha certeza se fará ou não operação para não mais engravidar. “Vou operar assim que ela nascer”, promete. Porém, essa não será sua sina, caso siga o mesmo caminho que a maioria das fêmeas vizinhas. 

Enquanto ela adentra sua residência, o amante então disfarça a prosa. “Vamos mudar de papo”, aconselha, embora inutilmente. É ela quem reaviva a pauta, logo em seguida. “Aqui o povo tá tudo meio doido, menino”, exclama. “Esse aí – apontando para marido --, quem viu, quem vê”, diz, lastimando com um “Ai, ai, ai” que finda a discussão amena. “Eu não”, retruca ele em dissílabas, com um tom claramente debochado.

O que me parece é que a pulada de cerca para esse casal baiano assemelha-se a muito mais que uma travessura de menino -- como a do filho que derrama um copo de café com leite sobre o sofá -- do que o reflexo de que a crise dos sete anos de casamento pode ser não apenas uma lenda. Eles simplesmente sorriem de si, enquanto eu tento entender se trair e ser traído é tão simples assim como dizer que “quem viu, quem vê”.

3 comentários:

lulooker disse...

Muito bacana Vagner! Inspirado em "fatos reais" da sua viagem? rs

Unknown disse...

Oi Luciana, obrigado pela visita!
Sim, cada frase dita é totalmente verídica!Uma história baiana :)

Wadila de Alencar disse...

Muito bom mesmo hahaha .
A traição para algumas pessoas parece não ter importância. Ou então como muitas mulheres dizem: - Eu vou largar minha casa, minha vida por uma "piriguete" .