Ilustração: Thiago Calle |
Todavida Osmilda fugira de festejos. Definitivamente não gostava deles. Surpresas, nem pensar. Aquela noite, iluminada por uma imensidão de estrelas que formavam sombras na estrada de chão batido de terra vermelha, deixou também a sombra e a lembrança duma data que, por mais que se queira, jamais será esquecida. No dia 12 de novembro de 2005, Milda fora surpreendida pela comemoração de uma unidade das suas quatro décadas de existência.
Tudo fora organizado às escondidas. O bolo estava sendo confeitado na casa da irmã Salete. Seu filho mais velho ficou responsável pela ornamentação da sala: cartazes indicavam a importância daquela mulher no mundo, o amor escrito nas palavras que pessoalmente ainda em truncadas quando ditas.
Os convidados foram chamados, quase como uma súplica para o não vazamento do suspense. Vazar a surpresa da festa teria em jogo a amizade. E acho que a chantagem funcionou. Ninguém revelara a Osmilda o complô. Ela que para ser arrancada de casa seria um sacrilégio. Que desculpa plantar para uma mulher astuta como sempre fora?
Tudo deveria ser organizado num tempo hábil. O primogênito dos filhos, em cima duma moto Titan ano 96, fora buscar o bolo na casa da tia. Cuidado era pouco para o transporte de um dos itens mais importantes da festa. Em branco e rosa, vários corações foram sobrepostos. Tufos de balões de mesma cor foram arranjados nos quatro cantos da sala. Na mesa de madeira, uma longa toalha branca ancorava também garrafas de refrigerante, alguns salgadinhos e doces.
Um punhado de pessoas se acomodava encostadas nas paredes da casa. No dia de seu aniversário, Osmilda se encaminhara à casa doutra irmã a sete quilômetros, levada pelo seu irmão caçula. Assim que saíssem de lá, em não mais do que 20 minutos estariam estacionando a moto no quintal. Um ponto de luz indicava que eles aproximavam, exatamente duas horas após sua saída. Desciam a ladeira, e aquele momento seria o instante em que o filho mais velho ordenava para que todas os convidados se aquietassem no interior da sala.
Não apagaram as luzes – seria óbvio demais. Embora até ali tivessem conseguido sua meta: realizar o aniversário surpresa de Osmilda. Tudo funcionara bem. Assim que penetrou o interior da sala, no exato momento em que abrira a porta, um "Parabéns pra você" em coro fora cantado para ela. Suas mãos imediatamente se conduziram ao rosto como para apartar as lágrimas que cairiam em seguida. Ela chorou. Também derramaram lágrimas as irmãs, os filhos e outros mais.
A família estava toda ali. Do lado da porta, sua mãe Marlene fora a primeira a quem ela abraçou. Apertara as outras irmãs. Até chegar o momento em que o filho mais velho agarrou-lhe com força a seu corpo magro e lhe disse “Parabéns, mãe. Eu te amo!”. Depois da choradeira coletiva, foi a hora do batalhão de fotografias. Longe de possuir uma câmera digital, cliques foram devidamente selecionados na máquina onde fora plantado um filme analógico.
O primeiro pedaço de bolo fora dirigido ao filho de mais idade. Em seguida, aos demais quatro. Osmilda admirou os cartazes pregados na parede, os balões coloridos e, principalmente, todas aquelas pessoas na sala - que se tornara palco - para homenagear a pessoa mais importante daquela noite.
Aquele fora seu primeiro e último aniversário, também sua última festa, o último momento que, com música, comemorou mais um ano de vida. Aquele também fora o dia em que seu rosto afunilado ficou em suas derradeiras fotografias gravadas num pedaço de papel 10X15. Com um boina azulada, ela escondia as poucas mexas de cabelos castanho claro. Aparente, lhe restavam o loiro do cabelo postiço que lhe cobria a cabeça durante alguns meses. Usava a blusa de mesma cor, que ganhara do filho mais velho no dia das mães, seis meses antes. Todos tiraram fotografias com ela.
Não sei se Osmilda sabia que aquela seria última comemoração com os seus. Mas sorriu o quanto pode, enquanto vivenciava em sua terra seus instantes últimos. Viveu por quarenta anos. Teve 5 filhos. Um marido ausente. Uma terra que amou incondicionavelmente. E uma vida feliz embora a infelicidade de dois cânceres que lhe interromperam brevemente, vida esta muito a ser vivida.
Não sei se Osmilda sabia que aquela seria última comemoração com os seus. Mas sorriu o quanto pode, enquanto vivenciava em sua terra seus instantes últimos. Viveu por quarenta anos. Teve 5 filhos. Um marido ausente. Uma terra que amou incondicionavelmente. E uma vida feliz embora a infelicidade de dois cânceres que lhe interromperam brevemente, vida esta muito a ser vivida.
Osmilda Viana de Alencar Souza é a mãe de Vagner de Alencar - seu filho mais velho. E esta é a forma de dar-lhe, assim como em todos os 12 de novembro posteriores, seus parabéns repletos de uma saudade sem fim.
Leia também: "Parabéns, meu filho!" e "O pé de angelim".
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4 comentários:
Que homenagem linda Vagner. *.*
Osmilda parece uma mulher muito recatada, como tantas outras espalhadas pelo mundo que brilham sem se mostrar.
Ela deve esta se sentindo orgulhosa do seu primogênito!
Abraço!
Ah! Mas uma vez começo a chorar ao ler suas crônicas.
Triste foi o dia de ontem, sem ter essa mulher maravilhosa ao meu lado, para poder abraça-la e beija-la e dizer o quanto eu a amo.
Saudades é pouco, para dizer o quanto ela me faz falta.
Ao ler sua crônica, sinto o que creio que você também sente ao escreve-la.
Meus parabéns !
Amigo acabo de ler sua crônica!!Perfeito!!Continue assim nos prestigiando com as mais belas histórias,que por sinal,são verdadeiras!!
Linda homenagem, não pude conter as lágrimas. Milda era filha de Zé Branco da Cavada?
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