terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O futuro sempre me assustou


O futuro sempre assustou a mim que tive de aprender a administrar precocemente meu efusivo idealismo. Aos 13, meu sonho maior era ir ao Mc’Donalds. Estar perto do playground, dono do título de "instigador infantil" - ele, que a cada encontro com a lanchonete requintada, me trazia também um doce tormento por não poder deslizar adentro daqueles enormes tubos cilíndricos. Aos 8, não me saía da cabeça a ideia de devorar Sucrilhos Kellogs, suplantado logicamente pela cultura de massa, que longe de saber o que isso significava, entusiasmava ferozmente meus desejos juvenis.

Nessa idade, a decepção fora amarga aos insípidos flocos de milho do amarronzado Elefante - animal que habitava meus pensamentos mais serenos. Nenhuma distinção me teve o Mc Lanche Feliz; depois de conquistar a proeza de angariar 8 reais em moedas de 50 centavos, na época, garanti e simultaneamente também me decepcionei com os três hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola, picles e um pão com gergelim. Embora menino, percebia a valia do que significava investir, e aquele não havia sido um bom investimento. “É um lanche qualquer”, pensei, decepcionado. E era. Só voltei a freqüentar um Mc’Donalds muitos e muitos anos mais tarde.

O futuro sempre me foi temerário pela aflição de trilhar o mesmo destino ao qual pareceu estar fadada a minha família. O verbo “limitar” nos esteve tão presente que precisei pelejar o quanto possível fosse para apartá-lo para o mais distante. E a priori consegui – ou melhor dizendo, “tenho conseguido”.

Precisei tornar-me autossuficiente para perceber que poderia galgar voos mais elevados. Morar na favela, por exemplo, me era uma realidade transparente, embora ainda moleque sabia que aquela nos era talvez uma situação imposta por não fazermos parte de uma fatia da população desprovida de um ordenado mensal mais polpudo.

Pai pedreiro e faz-tudo; mãe dona-de-casa. Família composta por sete membros. Um cenário educacional que não ultrapassava a 3ª série do ensino fundamental – fora esse o limite da matriarca. Meu pai não passara da 1ª série; sabia rubricar seu nome em letras tortas, porém legíveis.

Acredito que meus pais soubessem o valor da educação, mas nunca tiveram uma inabalável firmeza para saudá-la como o norte para a evolução da família. Não os culpo, afinal, esse era um cenário não puderam se habituar. Tiveram que abdicar da escola para tornar-se íntimos da enxada. Se por algum momento da minha vida eu me opusesse aos estudos, eles não se ruiriam contra meu desejo, porém não desbravariam meu cérebro a fim de me apresentar os benefícios que o verbo estudar angariaria ao vocabulário chamado destino.

Era eu quem investia a minha mãe para encaminhar-se rumo às reuniões escolares; lugar este que meu pai nunca pisou seus pés. Não que fosse desmazelo por parte dela, que embora, sem inspeção, não duvidava de minha aplicação nos estudos. À espera de seu regresso da escola, eu ficava no esmero ao aguardo dos elogios certeiros trazidos por ela.

O futuro me trazia agonia quando ele mostrava-se cada vez mais traiçoeiro. Como driblar uma doença, uma vez que a família indispunha minimante de vigor para afrontar qualquer inimigo? Éramos católicos – de longe não praticantes. Minha mãe expunha no topo da estante a Nossa Senhora da Aparecida de plástico, e à padroeira guardava uma nada explícita fé.

O futuro a mim poderia ser o rumo mais instigante a alcançar. Poderia eu sem o entusiasmo de meus familiares agarrar um diploma de nível superior? Poderia eu embarcar a outros trajetos que não se fragmentassem ao fluxo Bahia-São Paulo? Poderia eu representar aos meus o espelho de um reflexo ao qual todos - e qualquer um - poderiam acatar?

A resposta é tão clara quanto a existência desse blog e a esperança de um caminho com um jardim florido de novas e belas crônicas das histórias da vida árdua e real.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Eu amava ela (e hoje ela ama outra!)



Nunca me agradara o nome “Maria”. De antemão peço perdão às detentoras desta graça. Mas ratifico: mencionei o verbo no pretérito-mais-que-perfeito, ou seja, passado. Hoje declaro simpatia, tanto que o elegi como a alcunha de minha herdeira (Maria Beatriz), claro, se um dia fizer parte de minha vida a paternidade.

Nascida no dia de Nossa Senhora Aparecida, ela ganhara da mãe a homenagem ao dia da santa. A paixão pelo nome em questão teve início por meio de sua dona. Eu tinha recém 13 anos. Ela, 12. Maria não era das Graças, das Dores ou dos Remédios, era Aparecida. A menina imponente que aparecia a partir daquele momento em minha vida.

Maria, em sua dúzia de anos alcançava os 1,76 de altura. Comprida, mesmo despretensiosamente, não fazia-se passar despercebida por nada e por ninguém. Era altiva, popular, simpática. Era carecido apenas desfilar ao seu lado meia hora para sentir tal proeza. Distribuía “Olás” e “Tudo bem” quase como respirava. Todos a conheciam, embora a vice-versa não fosse tão óbvia. Cruzamos um na vida do outro na 5ª série no ensino fundamental.

Nossa amizade principiou depois que Maria avistou sobre a mesa da professora um bonito desenho, de minha autoria. Os elogios de sua parte vieram na hora do recreio. Eu com minha timidez transbordante fui bombardeado por um massacre de elogios advindos daquela menina-mulher de cabelos acastanhados e pele clara. Pensei: “Tudo isso por causa de um desenho?”. E não era só por esse motivo. A recíproca foi instantânea e, em poucos dias, a prova disso viria: nos tornamos unha e carne.

Maria morava próximo a mim, entretanto sequer desconfiávamos disso, o que, involuntariamente e sem nenhum pesar, nos obrigava a ir e voltar juntos à escola. Partíamos unidos, cantarolando histórias e revelando aquelas que eram ainda inéditas um para o outro. E juntos permanecíamos – nas carteiras, lado a lado, no intervalo e até a hora de regressar para casa. Éramos tão parecidos e ao mesmo tão nada a ver. Eu, acanhado, na minha timidez contida. Enquanto Maria sem nenhuma. A popularidade há tempos lhe fazia companhia, enquanto eu jamais fazia-me notar célebre.

A presença dela era tão constante, tanto que não tardou para que Maria se tornasse Aparecida também em meus pensamentos. Estávamos sempre juntos, sempre um na casa do outro; aplicados como éramos, reservávamos os finais de semana para a elaboração da centena de trabalhos escolares; ora eu na dela, ora ela na minha.

Até que definitivamente me arriei por ela. Me apaixonei. Era meu primeiro amor. Aos treze anos de idade não poderia prever e diagnosticar ao certo como era viver aquilo que eu supunha ser “encantamento”. Ora bolas, um “encantamento” que te faz suspirar ao ver a pessoa? Que te faz querer viver grudado o tempo inteiro? Que te faz sorrir, sozinho, como um débil mental? Era paixão, disso hoje não duvido.

Maria foi meu primeiro amor. Mas como toda história de amor da vida real que se preze, não houve um final feliz na nossa. Maria me via com olhos fraternos, e assim o teve todavida. Por ela, o coração juvenil palpitou durante 3 anos, ainda quando me mudei pra Bahia.

Trocamos cartas, confidências, e naturalmente eu a Maria declarei amor eterno. Esse infinito nada particular teve seu fim decretado até Roseli fechar a porta do meu coração, deixando com que Maria escapasse, para que ela, então, o adentrasse, habitando ali por mais alguns outros anos (conheça aqui minha história com Roseli).

Dez anos depois, nos rumamos naturalmente aos nossos percursos. Maria despontou aos seus 1,83 de altura, linda como de costume. Eu não passei dos 1,75, menos tímido como nos tempos de menino. As 24 anos de idade, talvez ela nunca pudesse me retribuir, ao invés de fraternidade, o sentimento de paixão. Enquanto confesso tê-la amado, hoje a descoberta é que Maria não ama e nunca amou outro, mas outra.  

domingo, 4 de dezembro de 2011

Alianças


Casamento dos meus pais, em junho de 1986.
Minha mãe, Osmilda, está vestida de rosa (à direita), ao lado do meu pai, de chapeuzinho.

O dia do casório era aguardado com ansiedade pelas moçoilas baianas. Sem a pompa do vestido branco longo ou a ornamentação com rosas vermelhas e copos-de-leite em toda a igreja, o que lhes restavam então era o empréstimo da indumentária de uma tia mais velha que tenha se dado ao luxo de entrar de branco na igreja e ainda uma extensa "latada" (uma espécie de ambiente externo à casa, suspenso com lonas). Normalmente sem o ordenado para alugar igreja e pagar a bênção do padre, bem como desembolsar vestuário aos padrinhos e damas de honra, sem outra opção, o cartório era o ambiente para a celebração do casamento.

Não havia entrada triunfal da noiva atrelada ao abraço do pai. Sequer marcha nupcial (a não ser na imaginação das meninas que se casavam no alto de seus 16 anos), crendo, sobretudo, terem se deparado com o príncipe encantado de suas vidas, muitas vezes príncipe este, o primo com quem convivera toda a infância. Em um paralelo clichê, é como se seguissem a teoria do “se não tem cão, caça com gato”, ou “se não teve pretendente novo, se casa com primo”.

As coisas aconteciam mais ou menos assim... Gente nova no "pedaço" era raridade. Pela lógica, as pessoas deveriam, mais cedo ou mais tarde, se casar; e pela lógica também, a alternativa era unir as escovas de dente com aqueles com quem viram crescer.

Luxo era regalia somente às novelas que os noivos assistiam todas as noites defronte à TV de quatorze polegadas. A festa do casamento se resumia à comilança, ao som de muito forró. Era almoço ou jantar, depois das formalidades da igreja. Fartura de comida, por sinal!

Os mais abastados financeiramente matavam bois para celebrar o casamento das filhas virgens. Às pés-rapadas, um mutirão de senhoras se incumbia de preparar nos caldeirões arroz, feijão, macarrão e galinha cozida. Os drinks eram cachaças temperadas com ervas e outros guere-gueres aromatizados. Alguns engradados de cerveja eram selecionadamente distribuídos aos convidados mais ilustres.

Por ali, ninguém se dava ao trabalho de convidar as pessoas – decerto a maioria iria com convite ou não ao casamento, ou sinceramente dizendo, à festa. Quando o dinheiro permitia, o casal alugava ônibus para encaminhar os convidados à igreja que ficava na cidade. Já cheguei a ver até três coletivos abarrotados de gente. Depois da união, os veículos se dirigiam à casa da noiva, onde era se realizavam os festejos.

Mas o que sempre me chamou atenção nesses casamentos foram as alianças. Sim, as alianças – e no sentido literal. Já me deparei com muita menina se casando com a aliança da mãe, da tia, até da vizinha. Como sabemos, alianças de ouro são caras, e embora seja esse par de aros o símbolo do matrimônio, para esses casais, que com muito esforço queriam celebrar a vida conjugal, não eram as argolinhas o significado fundamental para união de suas vidas.

Por conta disso, as alianças eram emprestadas. Afinal, sem elas como o padre abençoaria a união até que a morte os separassem? Depois de atravessar a aliança dourada no dedo anelar esquerdo, logo mais, ambos – noivo e noiva – deveriam devolver o par aos verdadeiros donos. Dias depois, dois anéis simples e baratos, não deixariam nus os respectivos dedos que se enlaçavam a partir dali "na tristeza e principalmente na pobreza até que as alianças emprestadas os separem".