terça-feira, 8 de novembro de 2011

A festa de Zé Branco


61º aniversário de Zé Branco em sua casa, em 1995.

Ele fazia-se de despercebido, mas assim que apontava o mês de agosto, de uma coisa ele tinha certeza: seus filhos comemorariam seu aniversário. Como uma espécie de ritual, o propósito era de que a comemoração tivesse seu suspense, que o aniversariante fosse pego de surpresa, mas como aquilo seguia praticamente um protocolo, que se estendia há anos, esperar que ele não desconfiasse era quase impossível. 

Mesmo que não necessariamente no dia exato de seu nascimento, o festejo não era apenas celebrado pela família dos de Alencar Fernandes. Em peso, moradores das Cavadas e povoadas vizinhos abarrotavam a casa de Zé Branco. Por ali todos se espremiam.

Um bolo coberto pela brancura da banha vegetal era recheado com goiabada derretida com leite na panela no fogão a lenha. Cerejas ou morangos davam o requinte especial. Ainda ali, ornamentando a mesa, sob uma toalha de mesa branca ou às vezes florida, faziam-se presentes algumas garrafas de refrigerante barato, quando não também um caldeirão de alumínio com suco artificial de uva ou laranja cheio até a tampa. Não havia copos ou pratinhos descartáveis.

Cercado por crianças em torno da mesa, Zé Branco soprava as velinhas depois dos sotaques carregados de “Parabéns a você!”.  Por um instante, as luzes eram apagadas. Até o momento de flashes ofuscarem a pequena sala de estar. Sem posturas, agindo na mais instantaneidade que lhe convinha, o “dono dos anos” ignorava a presença da câmera analógica abastecida com um filme de 36 poses.

Ele recebia poucos presentes. No máximo, dos filhos que lhe entregavam camisas de gola alta, sem detalhes, como sempre lhe caíam bem. Eram os herdeiros de São Paulo quem lhe davam os mais regalos mais abastados: embrulhos com sapatos, perfumes, até relógios eram abertos naquela noite.

Zé Branco recebe presentes dos filhos

O som do forró timidamente escapava das caixas de som do aparelho nada potente. Depositado em cima da estante de marfim desgastado, ele dividia o recinto com a falação dos convidados que não precisavam ser convocadas para dar o ar de sua graça.

Depois de saciados com uma fatia de bolo num guardanapo, os convidados partiam para a dança. Na sala de estar o remelexo acontecia. Por ali, todos sacudiam seus corpos em passos amadores. O “dois pra lá, dois pra cá” riscava o chão de piso de cimento queimado de vermelho. Casais de jovens e de mais idade trombavam uns nos outros naquela área onde os sofás haviam sido afastados e a mesa instalada na cozinha.

A festa alongava-se até tarde. Para quem acordava ao som do galo, permanecer até as onze horas da noite era adestrar o sono regular. No alto daquele horário, os vizinhos de “seu” Zé escapavam entre uma das duas portas da própria sala onde festança rolava, ou da cozinha, onde o preparo do cafezinho entre as mulheres sempre acontecia.

E, por anos, na mesma casa, no mesmo mês de agosto, com a presença de todos os filhos, ou não, Zé Branco – ou “seu” Zé, para muitos – comemorava mais um ano de vida, que perdurou até 2006, quando ele saiu de sua casa para morar no seu quintal, embaixo do pé de Angelim.

Um comentário:

edinha fernandes disse...

Lindo texto me fez relembrar momentos maravilhosos que passamos com ele. Saudades muitas saudades deste homem guerreiro...