terça-feira, 14 de junho de 2011

Aquelas cartas

Saudações e Felicidades

É com muito carinho que pego nesta ‘pena’ para dizer que estou bem e espero que esta carta também possa encontrá-lo bem.





Sempre quis entender porque a cargas d’água eu sempre utilizava essa introdução ridícula em praticamente todas as cartas que enviava aos amigos e parentes e colegas e sei lá quem mais, no tempo em que o telefone era inacessível e a internet tampouco. E, ainda por cima, mentia, já que nunca peguei numa pena para redigir uma carta.

No máximo, uma caneta Bic. Mas, como lembrança de um passado marcado nas mais de 300 cartas, 25 cartões de aniversário, Natal, Ano Novo e bilhetinhos de amor, anônimos, quando desprendíamos nosso tempo com uma folha de caderno e uma caneta.

Aquelas cartas, aos amigos, parentes, colegas e, como já mencionei anteriormente, e sei lá mais quem, traziam nos garranchos, através das linhas tortas, numa gramática de um português precário, o sentimentalismo e a sinceridade que parece ser sido extinta com a profusão dos chats, MSN e dezenas de outras redes sociais.

Aquelas cartas traziam a sensibilidade e a certeza de uma dedicação, normalmente de algumas dezenas de minutos, em que se tentava organizar sujeitos e predicados, nos parágrafos que desobedeciam ao remetente.

A Bahia havia ficado para trás, à medida que na lembrança as histórias permaneciam vivas como cada instante de um espaço agora geograficamente distante.

Há exatamente 15 anos, meu amigo Arnaldo ilustrou na folha de caderno universitário o Rambo. Os músculos do protagonista do filme estavam tortos, enquanto nossa amizade apresentava a fortaleza presente naquelas letras que, como ele mesmo dizia, pareciam verdadeiros rabiscos.

Nos anos seguintes, troquei cartas com meu melhor primo Rosinaldo. Ele, que nunca havia recebido uma correspondência na vida, sentia o sabor do que era administrar nas linhas da folha, a manjada frase “Saudações e muitas felicidades”.

Com Aline, troquei bilhetinhos de amor. A adolescência, do tempo em que o Orkut ainda não havia apontado, revelava em desenhos ridículos, cartas de amor mais ridículas ainda. Do meu primo materno Wendell tirei a rudez de um menino em que escrevia no caderno escolar porque lhe era um exercício indiscutível. Sempre que um parente ou conhecido migrava da Bahia para São Paulo era certeira a chegada de uma carta do jovem.

Das irmãs Losângela e Lucimar sentia nas letras curvilíneas a saudade dos tempos de escola. Não diferente, Celcileide e Betânia, do período da 2ª série do ensino primário, dividiam, além do mesmo banco na escola multisseriada em que estudamos em 1995, as brincadeiras nas cartas em que me retratavam de “amarelo” e “magricelo”. Juramos amizade eterna, porém a amizade ficou na teoria e registrada nas cartas que carrego após mais de 15 anos.

Marcos declarou melhor amizade nas cartas da 8ª série. Maria Cláudia, a primeira namorada, não poupou os corações e declarações de amor, assim que me mudei pela milésima vez a São Paulo. As tias legítimas, Eliete e Eliene, proferiam seu carinho nas cartas que preenchiam frente e verso. Vera, a tia postiça, mulher do meu tio Zé, garantia seu ciúme, ao mesmo tempo em que declarava o carinho por aquele que era seu sobrinho predileto.

Aquelas cartas significaram não somente o até então tangível meio de acesso à comunicação da época, mas as lembranças de um passado que marcou o cerne de uma atenção a uma amizade simples que nos dias de hoje parece se perder pelas novas redes sociais.

3 comentários:

Tiêgo R. Alencar disse...

Sou completamente apaixonado por cartas e decididamente amei o seu post! Pelo menos por mim o hábito de trocar cartas será mantido por muitos e muitos anos, porque internet nenhuma no mundo será capaz de superar a emoção que sentimos ao tocar o papel com tinta de caneta, percevendo que toda uma emoção foi necessária para sua confecção. Muito bom mesmo, man! Adorei!

Abraço :)

Edy disse...

Como você bem citou ,cada carta é dedicada dezenas de minutos , tentando expressar da melhor forma o afeto , carinho ...
Os românticos como eu não são fui fãs das redes sociais, tudo é muito impessoal...
Amo cartas imagino o momento em que a pessoa vai pegar no papel...
Amei essa crônica.

Wadila de Alencar disse...

Saudades de trocar cartas com alguém.
Por mais que a tecnologia esteja avançada, que o meio de comunicação esteja super fácil, nada descreve a emoção de receber uma carta, é um gesto tão simples de uma mera importância.
Adorei sua crônica!
Ela me fez lembrar no dia que meu coração disparou ao receber a primeira e única carta do "amor" da minha vida. kkkk Engraçado né!