sexta-feira, 8 de abril de 2011

24 chronos em uma crônica

Ilustração: Thiago Calle

Suas tias pariram seus primos entre as roças de café baianas. No antepenúltimo dia de março de 87, ele nascera num quarto de hospital, na cidade grande. Com precocidade, amadurecera entre as zonas rurais da Bahia e as disparidades de São Paulo.

Um passado remoto o leva para 1º de maio de 1991. No mesmo dia em que Ayrton Senna interrompe sua trajetória de títulos, o garoto de 7 anos de idade, que acabara de adentrar o pré-escolar, conquista seu primeiro prêmio – uma caixa de lápis de cor novinha –, resultado dos contornos daquele que foi considerado o desenho mais bonito da escola.

Na 3ª série, fora escolhido o aluno mais disciplinado da turma de colegas de uma escola estadual
da periferia de São Paulo. A professora de nome bonito – Cynthia Matinez Cyrillo –, tão bonito, que o aluno jamais conseguira esquecer, escolhera os cadernos do aluno preferido como àqueles que seriam utilizados por ela no ano seguinte.

Na casa dos 12 anos, o garoto recebera mais um mérito. Durante o recreio, em um dos meses que não se recorda muito bem, ouvira a diretora da escola chamá-lo, praticamente aos berros, o seu nome. A diretoria era o destino. Na temida saleta recebera um documento: um papel que o
concedia um curso gratuito de informática – escolhido entre todos os alunos da 5ª série.

Aos 17, vencera um concurso entre estudantes do ensino médio. Os primeiros colocados tornariam-se alfabetizadores. Após subir as escadas da Secretaria Municipal de Educação no município baiano, conhecido como a “Terra do Café”, o adolescente se viu, além de aluno colegial, um futuro professor. Ganhara míseros R$ 120 mensais. Tornara-se rico, quando Lindiomar o agradecera por lhe ter ensinado a assinar o nome.

Ano seguinte, a maioridade aponta à medida que se vê contratado pela Prefeitura local para tornar-se professor de nível primário. Agora assalariado, comemora em Vitória da Conquista a conquista da sua primeira aula de inglês.

Aos 19, o chronos lhe dara uma rasteira no jovem. O tempo de sua mãe fora abortado pela luta de vencer seu segundo câncer de mama. Deixara cinco filhos. Vivera quatro décadas. E, embaixo de um Angelim – a árvore mais antiga das redondezas – mudara-se para sempre.
Quando lhe apontaram as duas décadas, o nomadismo parecera findar-se. Na maior cidade brasileira, fora o primeiro, entre os cem primos, os vinte tios e sei lá quantos agregados a ingressar no ensino superior.

Seu pai, literalmente estacionara. Há anos, trabalha como manobrista num estacionamento central da capital. Sua irmã, por influência, recebeu o título de segunda integrante da família dos Alencar e Silva a rumar à universidade.

No topo de seus 24 anos, o garoto que tornara-se homem tão rápido quanto à velocidade necessária para se viver em São Paulo e aprender a lidar, ou a otimizar seu “Deus do Tempo”. A grande metáfora de tudo isso é tão simples quanto o tempo dedicado a esse texto e a exposição cronológica de um cara de duas décadas de vida: o tempo consome aqueles que não aprendem a lidar com ele.
Povoado Cavada 2, (BA). 1995

domingo, 3 de abril de 2011

A vitória do ensino médio em Barra Nova

Todos estavam ansiosos pela vinda de Vitória. Durante anos, os moradores do distrito de Barra Nova e regiões adjacentes, do município de Barra do Choça (BA), não viam a hora de sua chegada. Ao lado do posto de saúde, no antigo espaço chamado loteamento, Vitória enfim apareceu. No dia 10 de agosto de 2010, ela abriu as portas para receber algumas dezenas de pessoas – seus primeiros alunos –, e eis então Vitória (ou formalmente dizendo, Vitória Lima de Oliveira), o primeiro centro educacional de ensino médio da região, inaugurado pela Secretaria Estadual de Educação.

Até o ano de 1999, em Barra Nova e povoados rurais, para prosseguir os estudos, aqueles que concluíam o ensino fundamental teriam de deslocar até Barra do Choça. Na cidade estava situada a única escola de ensino médio, o Colégio Estadual Dária Viana de Queiróz. Entretanto, aqueles quem viviam nos povoados abortavam a escolaridade até a 4ª série, pois sem transporte escolar para levá-los ao distrito, quiça, ao município, poucos tinham condição física e financeira para tal deslocamento.


No alto dos anos 2000, Benevenuto e Losângela enfrentaram em cima duma moto as estradas de chão esburacadas, que ligavam a Cavada II, onde moravam, até o Dária, em Barra do Choça. Os irmãos Adelande e Alexsandro, partiam encarapitados numa bicicleta por sete quilômetros; no carro que transportava os professores, os dois seguiam de carona até o colégio, na cidade. O quarteto compôs os primeiros alunos da zona rural que concluíram o colegial.


O cenário mudou em 2000, quando às 17h, o ônibus esverdeado de Magno saía do povoado mais remoto, Capão Verde, cortando os demais durante mais de duas horas de estradas sem asfalto. Adentravam o ônibus alunos espalhados pelos povoados Alegria, Cavada I e II, Pau Brasil... Todos incrustados em Barra do Choça. O transporte escolar demarcou o início de uma nova realidade educacional na região.
Quase meia década depois, foi a vez do transporte escolar rumo ao ensino médio. Estacionar no primário agora era aqueles que de fato não queriam dar continuidade aos estudos.

No final do ano passado, após uma vida como nômade, entre Bahia e São Paulo, reencontrei alguns colegas com quem estudei junto. Neste ano, Adelande concluirá a graduação em geografia. No Centro Educacional de Barra Nova, há pouco mais de um ano, o universitário e morador da Cavada vive a experiência de lecionar. Losângela terminará o curso de pedagogia; nas escolas circunvizinhas já atua como professora na educação infantil. Alexsandro trabalha como alfabetizador em um programa que visa a erradicação da educação de jovens e adultos, e como Benevenuto não saiu da região e tampouco ingressou no ensino superior. Entretanto, outros ex-alunos terminaram a graduação e lecionam no ensino fundamental e médio.

Com o magistério extinto, até o ano 2000 os alunos que terminavam o ensino fundamental e não queriam ser professores, poderiam optar pelo ensino médio científico (mais direcionado àqueles buscavam ingressar no ensino superior). Nas comunidades rurais, quem optava pela pedagogia, se desdobrava bravamente com as salas multisseriadas, onde estudantes de alfabetização a 4ª série dividam literalmente a mesma lousa tingida de tinta verde na parede e o mesmo banco. Esse então, era o maior ofício de quem, acredito, sentia paixão pela licenciatura.

Quatro anos após a minha conclusão do ensino médio no colégio apelidado de Dária, reencontro a ex-professora de redação Marilândia. Na perua que faz o transporte entre o distrito e o município falamos sobre nossos destinos profissionais. Com a inauguração do Vitória Lima, Marilândia deixou de ser professora para tornar-se vice-diretora do novo colégio.

Mais do que o contentamento em desempenhar a função, pude perceber o orgulho dela ao fazer parte dessa história que se inicia. “Você já viu o Vitória Lima?”, perguntou. Respondi que “ainda não”. Naquela mesma manhã, entre as assinaturas de rematrículas e o ingresso de novos alunos, depois que bradou seu “fique a vontade, Vagner” percorri o entorno da escola. Registrei através do meu olhar apurado, cada pedaço daquele lugar que a partir de agora encaminhará tantos alunos ao ensino superior, e sob a lente do meu celular captei as imagens que ilustram este texto.

Vitória Lima de Oliveira foi uma professora que marcou a história da educação em Barra do Choça. Em 2010, seu nome passou a fazer parte do cenário educacional do distrito Barra Nova, intitulando a escola que representa muito mais do que um novo empreendimento da Secretaria Estadual de Educação, mas, no sentido literal da palavra, uma vitória a todas as pessoas que têm fome sedenta de educação.

*Imagens feitas em 04 de janeiro de 2011

Leia também: "Lição de casa" e "Escola Municipal Rui Barbosa"