sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Capitães de lixeira


Vivíamos sempre em bando. Quase como os garotos protagonistas de Capitães de Areia. Todos meninos. Quatro moleques. Baianos arrotando o sotaque na terra cinza. A milhas de distância da terra de todos os santos. Melhor: do estado. Até então nunca pisáramos em Salvador. Em vez de beira-mar e orlas, o cenário era composto por becos que se interligavam formando labirintos que não tardou a desvendarmos muito bem. Corríamos velozes, tão ligeiros quanto as crianças ladronas de Jorge Amado.

Atentados. Empesteados. Malinos. Uma espécie de primos-irmãos: Wendell, 6. Eu, 7. Li, 8. Zome,10. O mais velho, claro, o chefe da trupe. Não por eleição democrática do bando. A incumbência lhe era dada pelos mais velhos: “Um jegão desse! Tome tento, menino. Dê exemplo”.



As casas tinham praticamente o mesmo tom. O rosa do compensado que suportava as telhas eternit. Barracos com mais dois cômodos era luxo. O Brooklin era nosso endereço. Mais precisamente o Jardim Edite – decerto por conta de alguma moradora antiga. Na Bahia é assim até hoje. A Cavada 2, povoado onde aprendemos a dar nossos primeiros passos, é um exemplo claro: sempre recebeu a referência do apelido de meu avô, Zé Branco. Se na comunidade baiana nos abrigávamos dentro de uma casa de alvenaria, em São Paulo o cenário se resumia a um amontoado de casebres construídos de madeirite. Hoje, moram apenas em nossas lembranças. Todas foram removidas. A favela Jardim Edite foi extinta antes mesmo que eu tivesse aprendido o significado desse termo. Enquanto isso, já dominava perfeitamente bem o cruzamento da avenida Roberto Marinho, apinhada de carros, a caminho da escola.

O caminho para o lixão nunca pareceu tão divertido, ao menos a nós, pseudocapitães. O trajeto não nos era imposto pela delegação de nossos pais. Voluntariamente jogar o (no) lixão nunca teve significados tão múltiplos. E jogávamos, literalmente. Jogar tanto do verbo arremessar quanto do brincar. Sem a sabedoria necessária para reconhecer, talvez também tivéssemos sido recicladores. Sim. Trazíamos para casa carrinhos. Robôs. Bolas furadas – e depois remendadas. Bonecas, para as irmãs. Na verdade, um emaranhado de tranqueiras que se revelavam nossos verdadeiros brinquedos.

Fomos, um dia, capitães... De lixeiras. Um tempo em que lixão e loja de brinquedos eram ambientes análogos. De nada importava se estavam surrados. Na Bahia, construíamos os nossos. As rodas dos carinhos eram feitas de sandália havaíanas. O corpo do carro produzido com a clássica lata de óleo. Havia perna de pau e telefones de latas de leite ninho, conectados por um barbante – e que funcionava, ao menos na nossa doce ilusão. Também tinha bolinha de mangulu, guerra de mamona e cavalo de pau de vassoura.

Capitães de brincadeiras na terra onde as centenas de praias eram vistas somente pela tevê ou quando simplesmente fechávamos nossos olhos e as encontrávamos em nossa imaginação fértil, imaginando a areia do mar escapulindo entre nossos dedos miúdos, porém já calejados desde sempre.

domingo, 14 de outubro de 2012

Um olho no peixe e o outro no gato
















Tô sempre ligado, eu acho.
Vivo com um olho no peixe e o outro no gato.

Só que esses versos não levariam este título, se você não o tivesse mencionado.
E se foi apenas um ditado, jogado.
Desculpe-me, levei para o sentido literário.

Até já fiz este poema, rimado.
Afinal, na minha imaginação alguém poderia ser um animal.
Não importa quem fosse o peixe ou gato.

Por isso, fiquei completamente atento a cada verso e seu significado
Fosse ele metafórico, irônico ou debochado.
Poderiam ter sido ambos, é fato.

Então tento o desembaraço
Arriscando para não ficar ainda mais atrapalhado
Escrevendo novos versos, tentando descosturá-los.

E se eu perceber que o gato está prestes a abocanhar o peixe, eu paro.
(claro, no sentido literal!)
Quero os dois vivos pros versos sempre ficarem inacabados.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Bar e-mail














Quando seus beijos nascem num bar e terminam em e-mail
se eu não os devoro, eles me devoram primeiro.

Então, sugo tudo.
Sugo até a última letra, ou cevada.
Sim, sou um pouco dado, me dou por inteiro.

Minhas palavras sempre são completas,
Meu copo sempre está cheio.
E meu corpo aberto.

Mas, agora, só o que me resta é ler um e-mail.
Com frases cortadas ao meio.
Com beijos jogados pra escanteio.

Se me cabe, nesse texto, ser grande?
Já nem sei desculpe,
Você se foi, mas eu continuo inteiro!

Rimei sem verso,
Versei sem conteúdo.
Não tenho medo.

*Com coautoria de Jéssica Moreira