Vivíamos sempre em bando. Quase como os garotos
protagonistas de Capitães de Areia. Todos meninos. Quatro moleques. Baianos
arrotando o sotaque na terra cinza. A milhas de distância da terra de todos os
santos. Melhor: do estado. Até então nunca pisáramos em Salvador. Em vez de
beira-mar e orlas, o cenário era composto por becos que se interligavam
formando labirintos que não tardou a desvendarmos muito bem. Corríamos velozes, tão ligeiros quanto as crianças
ladronas de Jorge Amado.
Atentados. Empesteados. Malinos. Uma espécie de primos-irmãos: Wendell, 6. Eu, 7. Li, 8. Zome,10. O mais velho, claro, o chefe da trupe. Não por eleição democrática do bando. A incumbência lhe era dada pelos mais velhos: “Um jegão desse! Tome tento, menino. Dê exemplo”.
Atentados. Empesteados. Malinos. Uma espécie de primos-irmãos: Wendell, 6. Eu, 7. Li, 8. Zome,10. O mais velho, claro, o chefe da trupe. Não por eleição democrática do bando. A incumbência lhe era dada pelos mais velhos: “Um jegão desse! Tome tento, menino. Dê exemplo”.
As casas tinham praticamente o mesmo tom. O rosa do compensado
que suportava as telhas eternit. Barracos
com mais dois cômodos era luxo. O Brooklin era nosso endereço. Mais precisamente
o Jardim Edite – decerto por conta de alguma moradora antiga. Na Bahia é assim
até hoje. A Cavada 2, povoado onde aprendemos a dar nossos primeiros passos, é
um exemplo claro: sempre recebeu a referência do apelido de meu avô, Zé Branco.
Se na comunidade baiana nos abrigávamos dentro de uma casa de alvenaria, em São Paulo o cenário se resumia a um amontoado de casebres construídos de madeirite. Hoje, moram apenas em nossas lembranças. Todas foram removidas. A favela Jardim Edite foi extinta antes mesmo que eu tivesse aprendido o significado
desse termo. Enquanto isso, já dominava perfeitamente bem o cruzamento da
avenida Roberto Marinho, apinhada de carros, a caminho da escola.
O caminho para o lixão nunca pareceu tão divertido, ao menos
a nós, pseudocapitães. O trajeto não nos era imposto pela delegação de nossos
pais. Voluntariamente jogar o (no) lixão nunca teve significados tão múltiplos.
E jogávamos, literalmente. Jogar tanto do verbo arremessar quanto do brincar. Sem
a sabedoria necessária para reconhecer, talvez também tivéssemos sido
recicladores. Sim. Trazíamos para casa carrinhos. Robôs. Bolas furadas – e
depois remendadas. Bonecas, para as irmãs. Na verdade, um emaranhado de tranqueiras que se revelavam nossos verdadeiros brinquedos.
Fomos, um dia, capitães... De lixeiras. Um tempo em que
lixão e loja de brinquedos eram ambientes análogos. De nada importava se
estavam surrados. Na Bahia, construíamos os nossos. As rodas dos
carinhos eram feitas de sandália havaíanas. O corpo do carro produzido
com a clássica lata de óleo. Havia perna de pau e telefones de latas de leite
ninho, conectados por um barbante – e que funcionava, ao menos na nossa doce ilusão. Também tinha bolinha de mangulu, guerra de mamona e cavalo de pau
de vassoura.
Capitães de brincadeiras na terra onde as centenas de praias eram vistas somente pela tevê ou quando simplesmente fechávamos nossos olhos e as encontrávamos em nossa imaginação fértil, imaginando a areia do
mar escapulindo entre nossos dedos miúdos, porém já calejados desde sempre.