Foto: Rodrigo Siqueira |
Nunca fui um
exímio catador de café. De longe, não chegava aos pés – ou melhor dizendo, às
mãos – de Missim, o famoso “mãos de folha”. Para os leigos no assunto,
“mãos de folha” equivale a artilheiro no futebol, CDF na escola, ou “fera” no volante.
E se muitos são considerados os reis de qualquer coisa, ele era o rei dos corredores de café. Estirava e manuseava o
pano que ampara os grãos com dedos tão hábeis quanto quem dedilha as
cordas de um violão com maestria. Quando não era o pano, a peneira era a ferramenta abrigadora dos grãos úmidos que pulavam dos galhos.
Meu recorde de
latas catadas foram 16. Na garupa da garupa de uma moto bis vermelha, eu, meu
primo Wendell e o marido de minha tia materna, Bite, rumamos muitas manhãs à roça de
café do dono de uma entre as centenas de plantações alastradas pela
região de Barra do Choça.
Punhámos um tênis
velho, uma calça e camisa surradas; cada um com sua mochila, ou sacola, que guardavam as marmitas e também a sagrada garrafa de café; além do necessário boné para amparar o sol que se revelava prepotente principalmente depois do meio-dia.
O hino da cidade
O hino da cidade
Barra do Choça carrega o sobrenome de “A Terra do Café”. O hino da cidade não deixa escapolir a fama: “O sereno da noite refresca a terra/ O sol vai enraiar o dia/ A melhor
região do café é em Barra do Choça, interior da Bahia”.
A letra simples
ainda evidencia um desejo masculino: "Eu quero ver a morena peneirar/ Eu quero ver a morena ensacar/ Eu quero ver peneirar, peneirar, peneirar".
A festa e a garota café
Todos os anos, nos meses de maio ou junho, a diversão é garantida na região. Festeja-se o título de a maior mandachuva produtora de café do norte-nordeste. Durante cinco dias, as atenções se destinam ao pretinho. A primeira celebração principiou no alto de 1998. De lá pra cá se vão 14 anos.
A festa e a garota café
Todos os anos, nos meses de maio ou junho, a diversão é garantida na região. Festeja-se o título de a maior mandachuva produtora de café do norte-nordeste. Durante cinco dias, as atenções se destinam ao pretinho. A primeira celebração principiou no alto de 1998. De lá pra cá se vão 14 anos.
Até concurso de
beleza no âmbito cafeeiro existe por lá. E há anos, muita menina recebeu a faixa de “A
Garota Café”, ou em outras palavras, "A miss Barra do Choça". A vencedora se torna a bam-bam-bam da cidade, a rainha (ou princesa?) da cocada preta, a mais menina mais ‘filé’
das redondezas.
Enquanto algumas
jovens disputam freneticamente anualmente o concurso, outras – senão a maioria – se metem nos tratores em migração aos melhores e rentáveis cafezais, aqueles que lhes garantirão muitas
latas de café e, claro, algumas ‘onças’ no bolso no final do mês.
Os grãos de ouro
Os grãos de ouro
E com mais
dinheiro no bolso, consequentemente, mais sandálias novas nos pés, vestidinhos
e blusinhas de alça aderindo ao corpo bronzeado naturalmente pelo sol nosso de cada dia.
Às donas-de-casa: adesão de armário, fogão a gás, sofá de quatro lugares novos. Aos marmanjos,
claro, uma motinha. Não uma zerada, mas uma titanzinha
ou uma today anos 90 já estão de bom
tamanho. O importante é ficar motorizado.
Quando a
colheita é boa, muita gente faz seu pé de meia, ou se dá ao luxo de comer
carne de 1ª, de comprar um “pisante” mais caro ou presentes à filharada.
E haja dinheiro
para distribuir regalos às crias. Missim, por exemplo, tinha ao menos uma
dúzia. Na colheita sua determinação em catar café impressionava até os
mais profissionais.
Como pode uma
viv’alma catar 40 latas de café num único dia?, questionavam. Essa alma viva (e
bem viva, diga-se de passagem!) tinha nome: Edimilson, menos de 30 anos. Não
era o rei do gado, mas sim o rei das latas de café, o legítimo mãos de folha. Decerto ainda continua com o legado.
Eu, catador
Eu, catador
Se a memória não falha, trabalhei como amador catador de café em
duas colheitas. A primeira vez por causa da escola. Aliás, por conta da greve
dos professores. Sem mesada dos pais, ou faturamento no Bar e Mercearia
Nova Geração – administrados por mim e minha mãe, na época – decidi me aventurar entre as estreitas ruas dos cafezais dos povoados ali. Naquele tempo, uma lata colhida custava R$ 1,50.
Calejar as mãos
que, até então, aguentavam apenas o peso de um lápis, só não era pior do que
esquentar comida ali mesmo. Numa fogueirinha improvisada a marmita era aquecida; devorada, enquanto a bunda descansava o corpo no chão folhado. O fato é que não negarei a experiência, embora hoje eu prefira catar palavras para colher novas crônicas. Mas garanto, como nós baianos costumamos dizer: “Foi massa demais,
velho!”.
Naquele mês ganhei quase
duzentos reais. Em meus 16 anos, uma fortuna. Quase beirei um salário
mínimo naquele tempo. Uau!
Catar café é a
arte desse povo que reza para que a cada novo ano a colheita seja mais vindoura
que a anterior. Que as rocinhas próprias se entupam de grãos amarelos e
vermelhos, para colher, peneirar, ensacar, secar, processar, moer, vender e, por fim, tomar. Que os inúmeros mãos de folha nas roças alheias possam voltar pra casa com um estoque de valiosas
“fichas de café” para que, ao final da semana, possam ser trocados, enfim, por dinheiro vivo. Que
o valor da saca esteja em alta. Que, como propaga o hino, "o sereno da noite refresque a terra e que o sol enraie o dia". Que a melhor região do café continue a ser em Barra do Choça, interior da Bahia.
Um comentário:
OLÁ VAGNER,
LI O SEU MATERIAL E GOSTEI.
E ACABEI POSTANDO EM MEU BLOG.
VC TEM ALGO CONTRA.
CONFIRA:www.vereadorjorgeamorim.com
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