segunda-feira, 19 de julho de 2010

Papo de Secretária


Após vinte minutos à espera de uma entrevista de emprego, sentado num cantinho, na recepção próximo a duas jovens secretárias, apontou-me a indagação:

Quantos assuntos diferentes são abordados por elas num dia inteiro de expediente?


Muito se ouve falar que o melhor lugar para se escutar boas histórias são nos bares. Concordo plenamente, por já ter vivenciado inúmeros causos botequins afora, e evidentemente presenciado situações que tornariam-se perfeitamente belas crônicas.

Como há algum tempo venho reportando relatos acerca de causos em meu ambiente corriqueiro e diário, os ônibus superlotados de São Paulo, o cenário desta crônica muito se difere da agitação e aglomeração de tantos indivíduos em seus trajetos rotineiros no transporte público.

Uma pequena recepção no terceiro andar de um prédio de número 350, situado numa rua do bairro de Higienópolis. Duas mesas defrontes uma à outra num espaço que não passava quatro metros quadrados. Duas jovens secretárias em seus respectivos computadores – e seus muitos causos -, compunham o ambiente das protagonistas desta história.

Foram três vãos de escadas, até avançar ao meu destino. Ao entrar na recepção, confirmei à secretária acerca do meu entrevistador. Ela, educadamente, solicitou que eu me sentasse, pois o “chefe” encontrava-se em horário de almoço. Uma única cadeira, na lateral da sala acha-se disponível. Encostei-me por ali, de modo que somente uma das secretárias conseguia me visualizar, ao contrário da outra.

Restava ainda meia hora para o ínicio da entrevista, que aconteceria às 14h. Um tempo bastante extenso para quem não tinha o que fazer na ociosidade do momento... A não ser atentar-me ao diálogo nada confidente entre as moças.

Enumerarei como Secretária Um, a jovem que estava na casa dos 22 anos de idade. Sotaque paulista. Longos cabelos castanhos escuros. Unhas coloridas com vermelho-sangue. Além do velho guerreiro allstar cobrindo os pés. Ela estava à minha esquerda, numa mesa com revistas sobre negócios, que dividiam espaço com outros papéis indecifráveis, além de um cachecol de cor rosa.

A Secretária Dois, defronte da amiga, e à minha direita, usava óculos de aro preto. Os cabelos cacheados eram o que mais chamava atenção na jovem que não ultrapassava os 24 anos de vida, sem dúvida, a detentora do título de tagarela, das duas.

Quietude foi o que esteve escassa naquela atmosfera repleta de conversação, desejos, fofocas e discussão do noticiário atual.

O que fazer nas férias? Ou no final de semana prolongado? Ele vai me ligar? Quem ganhou a partida de futebol? Essas foram algumas das tantas indagações abordadas, enquanto eu testemunhava o papo das secretárias, assinalando em meu bloco de notas, com a caneta de cor azul, que ainda me foi emprestada por uma delas.

Aonde ir nas férias?

Rio de Janeiro. Esse era o destino proposto pela Secretária Dois para que, ,juntas, desfrutassem no final do ano. Na Cidade Maravilhosa morava uma amiga nordestina dela. “Oxe, pode vir pra cá!”, insinuava a Secretária Dois, em referência ao sotaque carregado da colega, que certamente não havia sido contaminada pelo chiado carioca.

A Secretária Um considerou uma boa pedida, a programação sugerida. Porém caberá mais uma intrusa na casa alheia... Já que você vai levar o namorado?! - apontou ela, para a Secretária Dois.

Amnésia do aniversário do amigo "fofo"

O itinerário turístico foi interrompido pela súbita lembrança da Secretária Um acerca de acontecimento que havia ocorrido no início do mês. Memória fraca a da garota:

- Tenho um amigo. Fofo. Nunca esquece meu aniversário. Todo ano ele me liga e me manda mensagem me parabenizando. Esses dias, acordei, e logo lembrei que ele fazia aniversário. Falei pra mim mesma que depois mandaria uma mensagem no Orkut dele. Então fui escovar meu cabelo. Lembrei de enviar a mensagem, mas adiei. Daí minha mãe me chamou para sair com ela, para fazer nem sei o que. Lembrei novamente do menino, mas quando resolvi mandar a mensagem, meu irmão usava o computador. Ficou para quando eu chegasse. Umas 11 da noite retornei para casa... Quem disse que lembrei?! Quando deu meia-noite e meia... Fiquei doida. Olhei na página do Orkut para ver se estava o ícone do link dele, de aniversariantes... Mas não tinha nada. Quando abro minha página de recados, uma mensagem de quem?! Dele. Ele perguntava como eu estava, já que fazia uma semana que não nos falávamos. Nossa... Fiquei muito sem graça. Imediatamente peguei o celular e liguei pra ele. Só dava caixa-postal. Enviei um e-mail gigante, me justificando, dizendo que eu não havia esquecido e tal. Mas é incrível... Mas, na verdade, eu sempre esqueço! E ele, fofo, disse que ‘tudo bem’! E acredita que nesse mesmo dia um primo meu também fez aniversário?! Fui lembrar dias depois.

Msn, Skype & outras redes sociais

O desenrolar da conversação entre as meninas avançou. A Secretária Dois teclava com amigos pelo Skype e MSN, ao mesmo tempo em declamava aquelas mensagens “românticas", fabricadas no Power Point, com uma música de ninar de fundo.

Qual a notícia do dia?

O cenário ainda foi compartilhado com a leitura – e comentários simultâneos - das manchetes do noticiário nacional.
“Sabia que a partir de agora não pode mais dar palmadas nas crianças?!” – anunciou a Secretária Um.
A colega interveio, sarcasticamente:
“Eu li essa notícia... Atente-se à lei: não pode dar palmadas, mas deve ser permitido dar chineladas, cintadas... E é a Xuxa quem está fazendo a campanha, sabia?!”

De olho no placar: Corinthians X Ceará

“Não ouvi fogos, nem bagunça na rua. Depois que fui lembrar que o jogo do Corinthians com o Ceará deu zero a zero. Tá explicada a paz! – comentou a Secretária Dois.

Pensando nele ( e comentando também)

Está sentindo a ausência de um típico tema discutida entre o sexo feminino!? Bingo, se você pensou em: "coisas do coração"! Por um instante considerei que minha presença no recinto vetaria tal assunto. Ledo engano. E então, a Secretária Dois, deixou-me à par de seu atual estado amoroso.

- Às vezes dá vontade de jogar o celular na parede para perder o vício de falar ao telefone. Mas você acha que aguento ficar sem?! Bem que ultimamente as pessoas estão mandando mais torpedos no celular do que propriamente fazendo ligações. E como faria isso também, se não consigo ficar sem conversar com o Kaike?! Menina, estava pensando nele um dia desses. Pensando tanto, tanto... Que na hora de tanto pensamento positivo quem me manda uma mensagem?! O próprio! A partir de agora vou ficar pensando positivo sempre!

- -

E enfim, às 13h50, meu entrevistador chegou na recepção. Se bem ou se por mal não pude mais acompanhar a prosa das secretárias.

Em suma, fica a indagação:

Será que alguém consegue imaginar quantos mais outros assuntos foram abordados ao longo do restante do expediente delas?!

4 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Eu imagino... Por exemplos: moda,cabelo,unhas, boa forma física, promoções em lojas, regime/dieta, as novidades do dia anterior fora do ambiente de trabalho (a medida que forem lembrando), as fotos de fulana(o)de tal no orkut etc. Temas tipicamente femininos! rsrs

Robson Bezerra disse...

Esse texto traduz o quanto a postura inadequada de um funcionário pode nos fazer repletir como somos carentes de profissionais qualificados para tal função. Mesmo assim adorei o texto, Parabéns!

Luisa Pierson disse...

Muito legal essa história! Crônica é algo muito interessante. Não precisamos ir num bar, numa balada, ou estar numa festa para ter uma boa história para contar. Os causos, como você disse, estão por ai na vida cotidiana das pessoas, nas conversas paralelas, no modo de viver, pensar. Para contar uma boa crônica basta ter um bom olhar, um bom ouvido e saber escrever. E claro, e principalmente, espiríto esportivo. Aprender a enxergar um pouco as coisas com leveza, faz bem pra alma e evita o mal humor!