quarta-feira, 9 de junho de 2010

Alô, Vera?


Uma parada para um amor bandido

De certo não sabia o nome daquela mulher que usava brincos argolados, calça jeans com azul desbotado, com uma espécie de longo cadarço costurando suas pernas curtas.

Ela sentou-se ao meu lado, ao adentrar o ônibus no ponto Parada Paulista, na linha Butantã - Circular – Praça Ramos.

- Licença... - apontou ela, dirigindo a sacola mediada de papel sobre o colo.

Com um semblante notoriamente conturbado, ela fixou o olhar perdido entre o vácuo do veículo excepcionalmente não lotado, embora já ultrapassassem às 18h, de uma quarta-feira, em São Paulo.

A jovem senhora, de pele morena não assemelhava mais que 33 anos de idade.Como se estivesse no meu próprio bolso, senti a vibração do celular da mulher por dentro de seu casaco. Ela o retirou da jaqueta de cor preta que usava. Com um nada discreto relógio digital em destaque no visor, ela encaminhou-o ao ouvido.
- Vera?! – indagou a mulher, esperando à confirmação.

- Vera?! - insistiu ela.
O retorno enfim foi estabelecido.
- Vera, Valter me deixou sozinha! Não dá Vera, quando eu chegar em casa vou jogar as coisas dele para fora de casa, Vera. Preciso tocar minha vida! – pausou, a mulher após o desabafo.
Foi impossível não ouvir o relato da mulher que estava ao meu lado conversando com uma tal de Vera. E mesmo que não me encontrasse ali tão próximo, ouviria seu discurso se estivesse aos fundos do ônibus. A agonia, raiva e indignação refletiam o tom alto de sua voz grave.
- Vou tirar a aliança quando eu chegar em casa. Minha natureza não tá pedindo, Vera, pra ficar mais com Valter! – insistiu ela.

O protagonista da história de amor da mulher, Valter, queria permanecer no bairro de Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo. Enquanto ela preferia permanecer em Pirajussara, na região do Taboão da Serra. Dois lugares extremamente distintos para ela, que considerava o local onde morava " o paraíso", se comparado aonde Valter queria viver.

- Lá é o céu, Vera! Mas viver em favela... Só Deus! Sei que até os ricos estão morando na favela, mas onde eu morava é na avenida, Vera. Avisaram para Valter “se quer o seu marido vivo, não traga pra cá”. – continuou o diálogo afirmando que Valter só vivia nos botecos.

A mulher dizia que Valter era um homem brincalhão. Que gostava de chamar com apelidos carinhosos todo mundo. Era amor pra cá, querida pra lá. O que a preocupava, uma vez que nem todas as pessoas saberiam interpretar esses cumprimentos intimistas.

- Valter está correndo da justiça. – prosseguiu ela.
O relacionamento da mulher com Valter perdurava há pouco tempo. No entanto, ele acabara de sair de um casamento no qual teve um filho, de 2 anos de idade. Porém Valter não estava sua obrigação de pai, ou seja, a ex-mulher estava o processando pelo não pagamento da pensão alimentícia.
- Caço um lugar aqui para a mulher dele não saber, mas a polícia vai pegar ele de qualquer jeito, Vera!
Embora já tivesse sido intimado a prestar esclarecimentos à polícia, Valter não havia aparecido à delegacia. E ao que tudo indicava... Ele estava fugindo.

- Pensão, irmão paga. – afirmou a mulher, continuando a história. – Mas em seis dias, a polícia vai atrás dele, Vera. Graças a Deus não tenho filho com ele! Pois o homem tá se jogando, Vera.
Passaram-se quinze minutos desde o momento em que a mulher sentou-se ao meu lado, até anteceder o ponto em que eu desceria. E em todos aqueles minutos de prosa ao telefone, não havia identificado – suspeitado apenas – o sotaque nordestino daquela mulher. Pernambuco? Paraibano?
- Se ele for para a Bahia, a polícia pega ele! – carimbou a localidade do casal em crise.
Tum, tum, tum, tum...Os créditos do celular de Vera acabaram.

Meu ponto de descida apontara. Guardei meu caderno de anotações após escrever a história da mulher que não notara que eu estava escrevendo sobre sua vida naquele instante. Parti ao meu destino, sem ao menos saber o nome daquela mulher. Se voltara às boas com Valter. Se realmente jogara as roupas do homem na rua. Se retirara a aliança prateada no dedo anelar. Se a polícia prendeu Valter pelo não pagamento da pensão ao filho.

3 comentários:

Anônimo disse...

viajo nos teus posts...
parabens,
Cassio Leandro

Anônimo disse...

Parabéns Vagner, existem poucas pessoas que tem essa sensibilidade para perceber os outros ao redor e você tem essa capacidade, na minha opinião, essencial a um jornalista.

Aliás, toda vez que eu começo a ouvir uma história de quem está perto de mim, lembro desse seu texto e começo a rir.

Beijos.

Luisa Pierson disse...

Vagner é quase sempre uma diversão entrar aqui no seu blog. Dei risada agora com a história do Valter, viu! Ah... como existem "Valters" assim por ai.
Mas o que me interessa comentar é: ônibus é de longe um dos melhores ambientes para escutar e conhecer histórias. Fato.
Adoro andar de ônibus, claro na contramão do trânsito e das pessoas que não usam desodorante, né.
Nós passageiros assíduos dos transportes coletivos de São Paulo sabemos: é o paraíso para uma boa crônica da vida.

Beijos.