Uma mútua lição de aprendizado.
Chegava às 18h30. Após alguns passos, o professor se encontrava em sala de aula. A casa onde onde ele morava ficava do lado da Escola Municipal Rui Barbosa, no povoado de Cavada II, no sudoeste da Bahia. Ali, no interior da sala multisseriada, aguardava a chegada de seus não mais de vinte alunos.
Seu Joaquim era um dos alunos mais pontuais. No topo de seus 63 anos, ganhava o título de estudante assíduo. Não faltava um dia sequer, e quando isso acontecia, decerto, na aula seguinte, a primeira coisa que faria era justificar sua ausência. Com a bolsa transversalmente transportada entre os ombros, além do inseparável chapéu cobrindo os poucos cabelos, ele adentrava a sala de aula. Sentava-se, religiosamente, na primeira fileira, ao lado esquerdo, onde ficavam os alunos de nível de alfabetização.
- Boa noite! - o anfitrião anunciava sua entrada.
- Boa noite! Bença, Seu Joaquim! - cumprimentava o professor ao seu aluno.
A turma de alunos chegava à medida que as sete horas da noite apontavam. Dona Adelita era aluna aplicada. O lenço fino na cabeça era obrigatoriedade para ela que, como tantas mulheres da região, cobriam o cabelo grisalho com o tecido. Os óculos pendurados no pescoço eram necessidade. Sem os acessórios seria difícil enxergar as letras, que por si só ainda eram obscuras para ela. Os anos consumiram a visão aguçada nos tempos de menina e a oportunidade de ir à escola. Ela sequer havia se matriculado em uma escola, e estava ali enfrentando o desafio de familiarizasse com as palavras, essas que até então eram códigos indecifráveis para ela.
E aos poucos, ela conseguiu juntar as letras e formar duas importantes coisas em sua vida: o nome completo - Adelita Pereira da Silva - e a convicção de que o tempo não levou sua autoconfiança.
O professor em questão, um jovem garoto, beirava os 17 anos de idade. Um baiano magricelo, de estatura mediana, um tanto tímido, de olhos clínicos, cabelos castanhos e de cor parda.
O debruçar-se sobre um caderno, a leveza dum lápis no cruzamento com as linhas da folha de papel - embora o desconforto os dedos calejados do peso da enxada marcada por tantos anos. Parecia não haver maior lição de casa do que essa. Foi mais do do que o desenho duma assinatura sobre um ponto demarcado, mas a certeza de que seus alunos nunca mais sujariam o dedo polegar com a tinta de carimbo por não saber escrever o nome.
Essa era a lição mútua de aprendizado do jovem professor para com seus alunos. Mais do que alfabetizar jovens e adultos, que nada ou pouco sabiam do poder das palavras ou do encanto da leitura, foi, sobretudo, tornar-se rico de conhecimento por lidar com pessoas com experiências fantásticas de vida.