"Nenhuma palavra.
Somente os olhares de dois amigos
Uma década depois"
2 de abril de 2010. 14h45.
Já atrasado para o martírio em trabalhar em plena sexta-feira santa, peguei o primeiro ônibus em direção à emissora onde era estagiário. Pensar nas tradições vividas no tempo de infância foi o que esteve mais presente em meus pensamentos nesse dia, em que curtos flashes me remetiam aos banquetes e fartura de peixe à mesa para celebrar a data sagrada. Mas pausemos por aí essas lembranças.
Já devidamente acomodado em um dos assentos individuais, próximo a catraca do ônibus, atento-me a um rapaz que entrega o dinheiro da condução à cobradora para a liberação da catraca.A familiaridade do rosto fez-me fixar o olhar àquele rapaz. Uma evidente pinta escura estampada do lado direito da face, o cabelo castanho aparado baixo, e aquela irreconhecível feição tímida... Seria ele: o menino com quem estudei na 3ª série C, há 11 anos?
- Moço, seu troco! - a cobradora chamou-o, direcionando o dinheiro que ele havia esquecido. André, que não notara minha presença por ali, virou-se, balançou a cabeça como se quisesse dizer “como sou cabeção”, pegou a moeda e dirigiu-se ao fundo do veículo. Ainda mantive o olhar nele, para de fato, certificar-me que era aquele menino que torcia pro São Paulo e gostava de pintar as linhas das folhas do caderno cada uma de uma cor. Era ele sim.
“Mas ir atrás dele e dizer ‘Oi, lembra-se de mim... Sou o Vagner! ’” Fiquei sem jeito, ao mesmo tempo em que tentava criar coragem para ir lá e certificar que ele era realmente o meu colega de classe. “Aquele garoto com quem estudei a 3ª e 4ª séries do ensino fundamental na EEPG Professor Homero dos Santos Forte”.
Fazíamos o mesmo percurso diariamente de volta para casa. E normalmente sentávamos juntos na sala de aula.E desde o final do ensino primário, em 1999, nunca mais havíamos nos visto.Já se passava das 15h, quando levantei-me, direcionando meu dedo indicador para acionar o botão de alerta à parada. Olhei pro fundo, e lá estava o André, na derradeira poltrona. Encarei-o... Esperando um retorno dele.
Ele me olhou. Meio assustado, me cumprimentou, de forma que seu rosto estivesse desenhado “será que é ele mesmo?” E era eu. Desci. Emocionado de tê-lo revisto. E decepcionado por termos nos reencontrado apenas por olhares, não mais do que 30 segundos. Assim que o ônibus seguiu, pude vê-lo esforçar-se a olhar para trás, através do vidro embaçado do veículo e, certamente, confirmar se realmente era eu, aquele menino que já havia dado lugar ao físico de um homem, uma década depois.
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