Meu avô nascera no meio da década de 40. Durante algumas dúzias de anos, a única coisa que assistira com frequência foram as surras que dava nos filhos atentados ou os veados e "luís-cacheiros" que caçava nos matagais de onde se criara.
Seu Dió, ou Deoclides - para quem preferir seu nome de batismo - sempre foi "cabra-macho". Saía à caça com os filhos, além de admirar as partidas de futebol dos herdeiros, também artilheiros.
Até o final dos anos 90, seu Dió e a família viviam sob a luz do candeeiro. Energia elétrica era regalia àqueles que eram abastados de uma condição financeira um bocado melhor. Em cada quarto, havia seu utensílio. No topo da sala, um lampião iluminava todo o cômodo. Depois que puderam acender a luz por meio do interruptor nas paredes de reboco fino, tudo mudou.
Um rádio trazia música àquela casa já há um tempo, mas depois que adquiriram uma TV - ainda em cores preto e branco - foi a revolução do povoado. A sala, com cepos e um sofá surrado, era plateia para a apresentação das cenas que explodiam daquele tubo de 14 polegadas.
Posso dizer que a vida de seu Dió mudou; claro, a de todos também, afinal, esqueceram um pouco de suas vidas particulares para acompanhar a rotina diária dos personagens que tanto os entretinham. As telenovelas foram substituindo as narrativas reais por aquela sequência ficcional de acontecimentos instigantes.
Em pouco tempo, seu Dió se viciou nos folhetins como, quando, religiosamente, saía ao menos duas vezes por semana para caçar. A nova rotina começava pouco antes das seis - hora em que o jantar já estava aprontado no fogão a lenha prestes a ser servido. Com os olhos fixados na televisão, a direção da colher cheia de feijão com farinha não perdia o rumo à boca.
Tieta do Agraste tornara praticamente amiga íntima de seu Dió. Senhorzinho Malta, nem se fala. Ruth e Raquel só perderam sua referência aos papéis de Glória Pires depois que Norma (de Insensato Coração) ficou mais evidente que as irmãs gêmeas de Mulheres de Areia. E anos a fio seu Dió estacionara no sofá por algumas horas. Acatava a chegada do
Jornal Nacional esperando logo seu final para a chegada da novela das 8 que se mudara às 9 temporada adiante.
Depois que trocou a sala de aula pela sala de estar de casa, de fato seu Dió mostrou-se que não conseguira mais viver sem as histórias alheias que apontavam no mesmo horário a partir das seis horas da tarde. Era Jade, Maya... Ainda bem que sua esposa, dona Aliça, com quem já comemora bodas de ouro, não se intimidara, juntando-se ao marido para assistir aquele Ti-Ti-Ti todo.