“Gente, um passinho pro fundo, por gentileza!”
“Pessoal, vai girando a catraca aí!”
“Um passinho pra cima, senão a gente não sai!”
“Pessoal, vai passando aí pro corredor!”
“O fundo tá vazio, gente!”
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Para quem nunca teve o desconforto em transitar pela capital paulistana no sistema público de transporte, em especial nos micro-ônibus, talvez desconheça as expressões destacadas acima. Embora não seja difícil remetê-las à realidade do que é a locomoção em São Paulo para quem utiliza uma lotação.
“Tô numa lata de sardinha”. Antigamente, poderia até considerar válida essa metáfora. Consideremos que a latinha de alumínio, com aproximadamente quinze centímetros de comprimento, esmague o peixe no espaço limitado. Mas, considerar ‘enlatado’ dividir com mais de 60 pessoas o interior de um micro-ônibus, particularmente é ignorar o termo “injustiçado”.
No painel na parte interior do veículo é onde se costuma ficar a capacidade ideal de passageiros transportados. Aliás, costumava-se ficar, pois em muitas de tantas viagens diárias, um olhar mais atento fez-me perceber que, em muitos carros, não é mais informada a quantidade de pessoas que poderiam viajar em pé.
Nas lotações que não foram pintadas, ou deixaram em branco o dado, simbologicamente apresenta que são 13, aqueles que não teriam direito ao assento. Se é de fábrica a omissão, eis aqui outro questionamento.
Entre 20 a 25 pessoas sentadas. Cerca de 13, em pé. Uma soma de menos 50 cidadãos, que, de maneira ‘confortável’, poderiam locomover-se no interior da famosa lotação. Hoje, um dado descartável, meramente ilustrativo, pois “sempre cabe mais um”, ou espera-se que caiba.
O cobrador deixa explícita a intenção de sempre mais um subir um degrauzinho, e dessa maneira mais um passageiro é esmagado dentro do veículo.
Falta de educação, estresse, cansaço e demais predicações compartilham o mesmo espaço, o mesmo meio de transporte. Viajar em pé em horário de pico? Sempre cabe mais um. Um empurrãozinho aqui, outro acolá. No contexto atual nem mesmo os horários alternativos amenizam a superlotação. Conseguir com que alguém, caridosamente, segure a bolsa, sacola ou qualquer objeto que carregue consigo é também outra sorte.
Longe de mim generalizar, todavia como cidadão que vivencia empiricamente esse sistema, encontrar alguém solidário, que transporte a bagagem, enquanto você luta por um mísero apoio, batalhando trinta centímetros à sua frente para, ao menos, descansar o pé já fadigado pela inércia do percurso é raridade muitas vezes.
Em geral, locomover-se sentado na poltrona de um micro-ônibus é regalia àqueles que ficaram, certamente, dezenas de minutos à espera do privilégio de ir acomodado para casa, após filas quilométricas no terminal.
Será egoísmo não querer que o outro ‘aconchegue-se’ mais? Ou a solidariedade nos faz permitir que sempre caiba mais um, que é fácil subir mais um degrau quando se está quase que impossibilitado de se mexer?
Será simples, a passagem pela catraca como se pela frente não tivesse mais ninguém?
Será que cabe mais um, ou eu ou você somos mais um que não cabemos nessa realidade diária e árdua?